Praticar a compaixão
Desengane-se quem considera que compaixão pelos doentes é ter pena deles. Desengane-se quem considera que compaixão pelos doentes e famílias é ter a capacidade de nos colocarmos no seu lugar. Desengane-se. Eu, sou eu, o doente é a D. Maria, é o Sr. Manuel. “Consigo imaginar como se esteja a sentir; posso calcular como esteja a ser difícil” – impossível - Como me coloco no lugar de um doente que acaba de receber o diagnóstico de uma doença oncológica se eu nunca tive esse diagnóstico? Como ouso dizer que consigo tentar colocar-me no lugar de uma filha que está a perder o pai se nunca perdi o meu? Como posso classificar a dor de um doente por ele? Como ouso pedir à família para ter força quando lhe comunico que o prognóstico do Sr. Joaquim é reservado? Eu sou eu, a minha dor é minha, a minha família é minha, o doente é a D. Maria e o Sr. Manuel e cada um com as suas particularidades e suas famílias.
Posto isto, visto a capa de egocêntrica e centro-me em mim? Não, não posso e não quero. Sou profissional de saúde, não consigo, não posso, não é digno. Tento ter compaixão pelos meus doentes, pelas suas famílias e tento não passar indiferente às suas angústias, às suas dificuldades e ao seu sofrimento.
Para muitos também isto está subjacente às nossas funções pagas pelo salário mensal. Felizmente há muitos sentimentos e sensações que salário nenhum paga e nos dá força para continuar.
Um turbilhão de sentimentos é o que consegue ser o dia a dia de um profissional de saúde.
Quantas vezes não me assola uma enorme tristeza e um aperto grande no coração por ver famílias desfeitas emocionalmente pela perda da matriarca que cuidou dos netos, que fazia questão de fazer o almoço todos os domingos para reunir a família e até nunca se queixava de nada? Quantas não são as vezes que oiço o desabafo daqueles que ontem se achavam saudáveis e hoje não conseguem andar depois de terem sofrido um AVC? Quantas vezes me vêm as lágrimas aos olhos quando tenho que comunicar o óbito do filho de alguém, do pai de alguém? Quantas vezes passo por pessoas com papeis na mão no meio dos corredores sem norte, à procura de indicações para o serviço de gastro? Quantas vezes não é de mim que precisam, mas se eu for o elo de ligação com o Médico X e o Enfermeiro Y e o assunto fica resolvido ou orientado?
Olhemos uns para os outros, digamos “bom dia”, recebamos alunos e estagiários e lhes ensinemos o melhor que sabemos e fazemos porque somos profissionais de saúde e temos uma missão… cuidar, cuidar da mãe de alguém, do marido de alguém e tenhamos sempre a capacidade de lembrar que amanhã podemos ser nós ou os nossos a precisar de ser cuidados.
Cultivemos a compaixão nas nossas vidas, no nosso dia a dia e tornemos a nossa sociedade mais compassiva.