Clube de Leitura
Este espaço é dedicado à apresentação de alguns resumos considerados relevantes sobre vários artigos no âmbito dos cuidados paliativos.
Journal of Pain and Symptom Management 31(1): 58-69, 1 Janeiro de 2006
Solano JP, Gomes B, J. Higginson
Este artigo, publicado em Janeiro de 2006 como um artigo de revisão, tem a co-autoria de Irene J. Higginson, Professora e Chefe do Departamento de Cuidados Paliativos do King´s College, que muito tem publicado em áreas como epidemiologia dos sintomas e qualidade de vida em saúde; com mais dois autores João Paulo Solano, da Universidade de S. Paulo, Departamento de Medicina, e Bárbara Gomes, psicóloga, nossa compatriota, também do King’s College.
Os autores propõem-se determinar a prevalência de 11 sintomas (dor, depressão, ansiedade, “confusão mental”, fadiga, “falta de ar”, insónia, náusea, obstipação, diarreia e “falta de apetite”) em pessoas com doenças crónicas, progressivas e “terminais”: Cancro, Síndrome de Imunodeficiência Humana Adquirida (SIDA), Insuficiência Cardíaca (IC), Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e Insuficiência Renal (IR).
Com este estudo procuraram saber se doentes com diferentes doenças “terminais” teriam diferentes perfis de sintomas.
Para este estudo empregaram uma metodologia semelhante a uma meta-análise recorrendo a uma revisão sistemática que incluísse todos estudos de prevalência de sintomas. Para isso pesquisaram em diferentes bases de dados (MEDLINE, de 1966 a Junho de 2004; EMBASE, de 1988 a Junho de 2004; PsycINFO, de 1985 a Junho de 2004), e em Livros de Texto de Cuidados Paliativos, Medicina Interna e Oncologia. Excluíram os artigos com uma população restrita nomeadamente artigos referentes a um só tipo de cancro ou a uma só localização de cancro, artigos referentes a crianças, a toxicodependentes e a doentes agónicos. Em cada artigo incluído extraíram os seguintes dados: autores, país de origem, ano de publicação, objetivo do estudo, número de participantes, desenho do estudo, métodos de medição e prevalência de cada sintoma.
Dos 1900 artigos obtidos na pesquisa, somente 64 foram incluídos no estudo (33 artigos referentes a Cancro, com número de participante (N) entre 2888 e 10379; 9 artigos referentes a SIDA, com N entre 504 e 1435; 2 artigos referentes a IC, com N entre 80 e 948; 3 artigos referentes a DPOC, com N entre 150 e 1008; 13 artigos referentes a IR, com N entre 19 e 956; e ainda 4 artigos referentes a mais do que um tipo de doença).
Obtiveram um conjunto bastante heterogéneo de dados, que os impediu de apresentar uma média de prevalência de cada sintoma. Apresentaram no entanto os resultados em forma de mínimo e máximo, por vezes com grande disparidade de resultados, que os autores comentaram na Discussão.
O estudo revelou elevada prevalência de sintomas em todos os tipos de doenças crónicas, progressivas, e “terminais”. Em todas elas ocorreram mais do que um sintoma. A dor e a fadiga estiveram presentes em todos os tipos de doenças abrangidos pelo estudo, com prevalências, que genericamente, se situaram entre 34-96% e 32-90% respetivamente.
Na discussão de resultados os autores comentaram a heterogeneidade dos resultados, atribuindo-a a:
- fatores relacionados com a própria definição dos diferentes sintomas;
- fatores relacionados com a metodologia usada na deteção desses sintomas;
- fatores relacionados com o desenho do estudo (estudo de prevalência pontual, estudo de prevalência num determinado período, estudos longitudinais);
- fatores relacionados com o contexto (enfermarias de Hospitais, “hospice”, na comunidade);
- fatores relacionados com a recolha dos dados (através dos registos clínicos, entrevista com o doente)
- fatores relacionados com o limiar que os diferentes autores usaram para relatar determinado sintoma (intensidade, frequência, sintomas de novo).
Apesar de serem evidentes as grandes limitações atuais na epidemiologia de sintomas, parece-me que esta revisão é importante porque retoma a questão dos Cuidados Paliativos não Oncológicos, ao apresentar perfis de sintomas, e de sofrimento, muito semelhantes aos da realidade do Cancro.
Pedro Filipe
Interno de Oncologia Médica
IPO Lisboa
Mestrando em Cuidados Paliativos
Tema: APOIO À FAMILÍA
Título: “Escala de Zarit reducida en cuidados paliativos”
Autores: Ana M. Gort, Jaume March, Xavier Gómez, Mariano de Miguel, Silvia Mazarico y Jordi Ballesté.
Revista: Medicina Clinica. 124(17): 651-3 2005, Mayo 7.
Resumo
O objetivo dos autores deste artigo é reduzir a Escala de Zarit para a avaliação da claudicação familiar em cuidados paliativos, sendo por eles definida como a situação de incapacidade dos elementos de uma família em oferecer uma resposta adequada às múltiplas necessidades e solicitações do doente.
Esta escala foi originalmente utilizada para medir a claudicação familiar nos cuidadores de doentes com demência, classificando-a em ausente, leve ou intensa. Consta de 22 itens, com pontuações de 1 a 5, onde 1: nunca, e 5: quase sempre, que medem a sensação de sobrecarga experimentada pelo cuidador, o abandono do autocuidado quer em saúde quer na auto-imagem, o sentimento de vergonha pela presença ou comportamento do doente, o sentimento de irritabilidade pela presença do doente, o medo pelos cuidados a prestar e pelo futuro do doente, a perda do papel social ou familiar, a alteração da economia causada pela doença e o sentimento de culpa por não fazer o suficiente. A escala é de auto-avaliação, mas na maior parte das situações, pelas características socioculturais dos cuidadores e/ou pela situação emocional vivenciada, deve ser avaliada pelos profissionais de saúde.
Conscientes da falta de tempo de que todos padecemos, os autores propuseram-se realizar uma Escala reduzida, de fácil utilização, adaptada aos familiares de doentes em cuidados paliativos, e não apenas aos familiares de doentes com demências, possuindo ainda alta sensibilidade e especificidade.
Para tal os autores aplicaram a Escala de Zarit, entre fevereiro e junho de 2001, a 61 cuidadores de doentes internados na Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital de Santa Maria de Lleida. Após o levantamento e registo dos dados, 61.4% apresentavam claudicação, 83.6% eram cuidadores de sexo feminino, com idade média de 58 anos, combinaram três métodos diferentes para obter uma redução fiável, específica e sensível. Nos métodos incluíram uma prova de juízes, elementos da equipa de investigação, para a identificação das dimensões da personalidade avaliadas por cada item da escala; uma análise de regressão logística para identificar os itens que melhor predição faziam da claudicação e uma análise através de curvas de eficácia diagnóstica do poder discriminativo dos itens seleccionados, combinados ou substituídos pelos que representavam a mesma dimensão.
O resultado é um instrumento de apenas 7 itens (tabela 1), com sensibilidade e especificidade de 100%, e a mesma percentagem para a discriminação, que permite identificar a claudicação familiar em cuidados paliativos, presente se a soma da pontuação for superior ou igual a 17.
Foram mantidas as dimensões de sobrecarga, autocuidado e perda do papel social ou familiar, sem risco de perder informação, uma vez que se mantêm as dimensões de maior relevância em cuidados paliativos, sendo as outras consideradas mais específicas para as situações dos cuidadores de doentes com demência. Assim, foram reduzidos os itens que exploravam as mesmas dimensões.
Como limitações, os autores assinalam que com o instrumento reduzido, se perde a discriminação entre claudicação leve ou intensa, e a possibilidade de comparar esta Escala com outras, já que as reduções encontradas na bibliografia estão destinadas apenas a doentes com demência.
Comentário
Uma vez que em cuidados paliativos não cuidamos só do doente mas também da sua família ou cuidadores, faz todo o sentido a existência e o uso de instrumentos que meçam e avaliem as necessidades destes. Os autores apresentam um instrumento: Escala de Zarit reduzida em cuidados paliativos, útil, fácil, rápida e fiável, para medir a claudicação familiar.
Ao mesmo tempo que assistimos a um incremento de doentes e famílias a carecerem de cuidados paliativos, reconhece-se a importância e urgência em utilizar escalas na medição das necessidades apresentadas e na identificação de diagnósticos, baseadas em rigor cientifico e não em suposições. Utilizando escalas como esta aumentaremos quer o rigor quer a qualidade dos cuidados prestados ao doente e família.
Maria Del Carmen López Aparício
Enfermeira, Equipa de Cuidados Continuados, Centro de Saúde de Odivelas
Aluna do III Mestrado em Cuidados Paliativos
Shane Sinclair, José Pereira, Shelley Raffin, Journal of Palliative Medicine, Vol9, N.º 2, 2006.
Resumo
O artigo em questão constitui uma revisão da literatura sobre espiritualidade em saúde, com enfoque especial na espiritualidade em cuidados paliativos e em fim-de-vida.
Trata-se de uma revisão de conceito com o objetivo de sistematizar a literatura publicada sobre espiritualidade em saúde e cuidados paliativos: construir uma base temática que traduzisse o percurso histórico dessa literatura e simultaneamente revelasse falhas que possam conduzir a pistas para investigações futuras.
Da literatura consultada os autores concluíram que a maioria é teórica e constituída por artigos de opinião, centrada na concetualização de um termo que parece escapar às tentativas de o reduzir a uma definição simples e estandardizada.
De um modo geral, reflete uma compreensão da espiritualidade desprovida de religião, um instrumento a ser utilizado na melhoria ou manutenção da saúde ou qualidade de vida, e foca-se na espiritualidade relacionada com o indivíduo, especificamente na pessoa doente.
A literatura relevante para o estudo foi selecionada por um júri pluridisciplinar de doutorados, três dos quais peritos em cuidados paliativos, a partir de duas bases de dados de referência: MEDLINE (101 artigos desde 1966 a Abril de 2005) e CINAHAL (135 artigos desde 1982 a Abril de 2005).
Na primeira parte o artigo refere-se à análise da investigação relativa à espiritualidade e à saúde, na sua generalidade. São identificados e criticados os temas emergentes relacionados com a definição do conceito, relação entre a espiritualidade e a religião, efeitos da espiritualidade na saúde, sujeitos da investigação e a prestação de cuidados espirituais.
A segunda parte é dedicada à espiritualidade em contexto paliativo. Da análise da literatura, cruzando os termos “espiritualidade” e “paliativo”, os autores obtiveram 100 artigos com referências mais ou menos superficiais aos mesmos. Destas referências foram escolhidos 58 artigos abordando o assunto em questão. Após a revisão da literatura, emergiram seis temas principais que apresentamos:
- Aspetos gerais da espiritualidade em cuidados paliativos, englobando três categorias: Passado histórico, a necessidade de cuidados espirituais, e a distinção entre espiritualidade e religião
- As necessidades espirituais dos doentes em cuidados paliativos
- A natureza da esperança em cuidados paliativos
- Instrumentos e terapias relacionadas com a espiritualidade
- Efeitos da religião em cuidados paliativos
- Espiritualidade e os profissionais de cuidados paliativos
O artigo conclui que, da análise efetuada à literatura selecionada, a espiritualidade tem sido reduzida a um conceito distinto e separado da religião, um instrumento a ser utilizado na melhoria da saúde, e focalizado predominantemente na pessoa doente.
A espiritualidade, sendo unicamente compreendida pelos indivíduos que o experienciam pode envolver aspetos centrais que podem ser também coletivos, intrínsecos ao ser humano e que constituam elos de ligação da humanidade. Esta dimensão coletiva da espiritualidade está muito pouco explorada sendo que a ênfase tem sido dada à perspetiva individual, que tem descurado os aspetos comuns que possam interligar as experiências partilhadas pelos doentes, famílias e profissionais de saúde.
A espiritualidade é um aspeto central e histórico dos cuidados paliativos, assumindo um significado próprio em relação a outras áreas da saúde. No entanto, os autores chamam a atenção para a tendência de propagar uma prática da espiritualidade que a reduz apenas a uma ferramenta a aplicar ao doente em fim-de-vida por um profissional treinado, como se de um tratamento se tratasse, excluindo os seus aspectos transcendentais.
Considerada uma componente importante dos cuidados paliativos tanto pelos doentes como pelos profissionais, a espiritualidade tem sido discutida nos seus aspetos concetuais e de atitude com muito pouca reflexão sobre as experiências espirituais dos sujeitos implicados, e de que modo os atributos espirituais são desenvolvidos.
A literatura aponta a espiritualidade como um aspeto positivo dos cuidados paliativos e da saúde em geral, e reconhece a necessidade de investigação qualitativa rigorosa em relação à espiritualidade no contexto dos cuidados paliativos.
Comentário
Selecionei este artigo pela pertinência do tema e pela sua atualidade. A investigação sobre espiritualidade no campo da saúde tem evoluído desde há 20 anos até aos dias de hoje, em que se tornou um campo de investigação por excelência, particularmente na área dos cuidados paliativos.
A presente revisão analítica permite fazer um ponto de situação da evidência científica sobre o conceito de espiritualidade e as suas implicações para a prática clínica, clarificar conceitos, detetar lacunas na investigação efetuada, e identificar áreas de interesse para novos estudos.
Nesta altura em que muito se fala de espiritualidade, reconhecida como área de interesse emergente em cuidados paliativos, mas de difícil abordagem e de elevada complexidade, espero que o artigo contribua para “aguçar o apetite” dos colegas para a investigação nesta área em Portugal.
Ana Isabel Fernandes Querido
Enfermeira, Assistente do 1º triénio da Escola Superior de Saúde de Leiria
Mestre em Cuidados Paliativos
Tema: Questões Éticas
Autores: Linda Ganzini, M.D.; M.P.H., Elizabeth R. Goy, Ph.D., Lois L. Miller, Ph.D., R. N., Theresa A. Harvath, Ph. D., Ann Jackson, M.B.A., and Molly A. Delorit, B.A.
N Engl J Med. 2003 Jul 24;349(4):359-65.
Estudos de pacientes com doença terminal demonstram que uma pequena percentagem gostaria de escolher o suicídio assistido ou a eutanásia por razões de desesperança, depressão, sentimentos de não ser compreendido, ausência de sentido de vida, prontidão/preparados para morrer e medo da perda de independência e do controle. 1-9
Porque a morte medicamente assistida não está disponível para a maioria dos pacientes com doença terminal, alguns experts médicos sugeriram a recusa voluntária aos alimentos e líquidos, como alternativa. 10-13
Contrariamente ao suicídio medicamente assistido, a opção de parar de comer e de beber é legal nos Estados Unidos, disponível para os pacientes capazes (aptos) e não requer necessariamente a presença de um médico. 11-13
Alguns clínicos afirmam que a base moral desta escolha é mais forte que o suicídio medicamente assistido ou a eutanásia. 11-12
Outros clínicos contestam essas afirmações, questionando não saber se este comportamento é diferente do suicídio, com ou sem assistência médica e alguns clínicos acreditam que a colaboração com um paciente que pretende apressar a morte é moralmente ilegal.
As autoras entrevistaram 35 clínicos no Oregon sobre as suas experiências com pacientes que solicitaram o suicídio assistido - 7 novos pacientes que quando confrontados com barreiras para obter a prescrição letal, optaram por parar de comer e beber no sentido de apressar a morte.
Porque ainda pouco se sabe acerca dos pacientes que tomam esta decisão, os autores questionaram as enfermeiras dos hospices no Oregon, acerca da sua perceção sobre tais pacientes, num total de 429.
As enfermeiras providenciaram informação desde 1997 até ao seu mais recente paciente que voluntariamente recusou comida e líquidos. No questionário utilizado, as autoras tiveram o cuidado em utilizar a seguinte definição: a recusa voluntária de comida e líquidos descreve uma ação pela qual um paciente voluntariamente e deliberadamente deixa de comer e beber com a principal intenção de apressar a morte. Este estudo não incluía o deixar de comer e beber por outros motivos, como por exemplo: a perda do apetite ou incapacidade para comer ou beber devido à doença.
As enfermeiras dos hospices foram questionadas acerca de 21 possíveis razões pelas quais os doentes pararam a ingestão de alimentos e líquidos com o objetivo de acelerar a morte, numa escala de variação de importância de 1 (nada importante) a 5 (muito importante). Numa escala de 10 pontos, os respondentes classificaram de modo global a paz/serenidade dos doentes (com 0 a corresponder a muita serenidade e 9 nenhuma) e o sofrimento (0 = nenhum e 9 = severo) nas duas semanas antes de morrerem, e a qualidade do processo de morrer (com zero a corresponder a muito mau e 9 muito bom).
Aos respondentes também lhes foi solicitado para comparar as características dos cuidadores dos pacientes que decidiram parar de comer e beber com características de outros pacientes com doença terminal numa escala de 1 a 5 (com 1 para - muito menos familiares -cuidadores que os outros pacientes com doença terminal; e 5 para muitos mais).
Segundo as autoras, relatos de morte acelerada por recusa voluntária de alimentos e líquidos, são raros na literatura, tendo conhecimento de apenas de três casos clínicos de pacientes que tomaram essa decisão. 18-20
Emanuel refere que nos trinta anos de existência do St. Christopher’s Hospice em Inglaterra, apenas dois pacientes optaram por apressar a morte mediante a recusa de alimentos e líquidos.
Em contraste, um terço das enfermeiras dos Hospices no Oregon relataram que pelo menos um paciente de que cuidaram nos últimos 4 anos optou por apressar a morte deliberadamente deixando de comer e de beber. Durante o período do estudo, (1997 a 2001) o suicídio medicamente assistido ainda estava disponível para os pacientes dos hospices do Oregon, no entanto, o número de relatos de pacientes que morreram após parar de comer e beber foram quase o dobro dos pacientes que morreram como resultado de suicídio medicamente assistido. Embora a recusa voluntária de alimentos e líquidos possa não ter sido comum: durante este período mais de 40000 residentes de Oregon morreram em hospices.
De acordo com as enfermeiras dos hospices, os pacientes decidem parar de comer e de beber por razões que incluem estar pronto para morrer, a crença de que continuar a viver era inútil, uma sensação de má qualidade de vida, assim como o desejo de controlar o modo de morrer.
O sofrimento físico insuportável não aparece como uma razão importante para esta decisão. De acordo com os relatos das enfermeiras as mortes por recusa voluntária de alimentos e líquidos foram pacíficas, com pouco sofrimento, embora achassem que em 8% dos pacientes a qualidade de morte foi relativamente pobre. Só um em oito pacientes recomeçou a comer e beber e na maioria das vezes por causa da sede ou pressão de membros da família.
Tem vindo a demonstrar-se alguma preocupação com estes casos, pois os pacientes que tomam estas decisões poderão estar afetados por uma desordem depressiva. Quer a perda de apetite, quer o desejo de morrer são sintomas comuns de depressão. A depressão, quando severa, pode influenciar a tomada de decisões, e se for tratada com sucesso, os pacientes poderão optar por se alimentar e continuar a viver. 21
Apesar das consultas de saúde mental terem sido recomendadas a todas as pessoas que desejavam apressar a morte desta forma 11 , estas foram mais a excepção do que a regra para os pacientes no Oregon.
Estudos de profissionais de saúde fora da área psiquiátrica demonstram que a depressão é muitas vezes subestimada nas avaliações médicas a não ser que se constitua como um fator de uma avaliação rigorosa.
De acordo com as nossas entrevistadas, os pacientes que voluntariamente recusaram alimentar-se eram em média quase uma década mais velhos e mais susceptíveis a doença neurológica do que os pacientes que optaram pelo suicídio medicamente assistido, que atualmente já não é permitido.
Os próprios autores reconhecem as limitações do seu estudo: primeiro, pelo facto de as declarações serem baseadas em memórias e perceção das enfermeiras que ocorreram há mais de 4 anos, uma vez que o estudo era retrospetivo. A impossibilidade de verificar se os doentes selecionados teriam sido apenas os que se incluíam na definição de recusa voluntária de alimentos e líquidos entre outras limitações.
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Joaquina Rosado
Enfermeira Especialista no Hospital de Santa Luzia de Elvas; Mestre em Cuidados Paliativos
Resumo do Artigo
Autores: Ryan, PY
Referência: Oncology Nursing Fórum 32(6); p. 1101-1108
Ano / País: 2005 / EUA
Participantes: 5 Doentes com 65 e mais anos, com cancro avançado
Desenho do Estudo: Fenomenológico / Histórias de vida
Limitações do Estudo: Os resultados não podem ser generalizados pelo pequeno número de participantes
A seleção deste estudo prende-se sobretudo com a natureza dos resultados e o que deles podemos aprender. O investigador acompanhou 5 doentes durante a fase última das suas vidas e evidencia as tarefas que desenvolveram durante essa trajetória para lhe dar sentido; sugerimos uma reflexão sobre as mesmas pois constituem objetivos terapêuticos e a missão de quem cuida. Por estas razões entendemos que a sua apresentação é extremamente valiosa.
Destaque para a metodologia, com o aprofundamento de histórias de vida, é fenomenológico pois dedica-se ao estudo das vivências.
Objetivos
Foi pedido a cinco doentes idosos, com cancro avançado, que fizessem uma descrição da experiência vivida associada à aproximação da morte.
Resultados
- A partir da experiência de cinco corajosos doentes foi possível encontrar alguns elementos dessa experiência vivida, assumindo que foram ajudados a construir este percurso de adaptação;
- Não ter medo da morte, aceitar calmamente a situação;
- Mudar os planos e objetivos de vida;
- Fazer as pazes, com os outros, com o mundo;
- Trabalhar a morte / o morrer;
- Viver um dia de cada vez;
- Desenvolver esforço para “sobreviver”, com uma impressionante resiliência;
- Ajustar-se às limitações impostas pela doença;
- É valioso o apoio, suporte e amor da família;
- Ter idade avançada facilita o processo de aceitação da doença e do fim de vida;
- Ter o conforto assegurado até ao fim confere segurança afetiva;
- A presença de sintomas, de sofrimento físico ou psicológico podem tornar-se devastadores;
- Poder despedir-se da família;
- Poder dizer adeus aos seus queridos;
- Apreciam a honestidade dos profissionais de saúde na informação dada e na autenticidade da relação estabelecida;
- Permitiram construir e clarificar o conceito de qualidade vida aceitável.
Implicações para enfermagem
A autora faz referência à importância destes elementos e vivências para orientarem os objetivos e a prática dos cuidados de enfermagem na garantia de qualidade de vida até ao fim.
Dá particular realce para a necessidade de preservar a humanidade, a dignidade, o conforto, aceitando a perspetiva do doente, e aproveita para advogar e vincar a importância dos cuidados paliativos.
Paula Sapeta
Enf.ª Prof. Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias
Resumo do Artigo
Autores: Graham, IW ; Andrewes, T. ; Clark, L.
Referência: International Journal of Nursing Practice; (1); p. 277-285.
Ano / País: 2005 / Inglaterra
Participantes: Enfermeiros
Desenho do Estudo: Fenomenológico
O estudo apresentado torna-se particularmente relevante pois coloca em evidência a complexidade do processo de interação enfermeiro-doente e o mútuo sofrimento que determina nos atores envolvidos, em qualquer contexto, mas em especial num hospital de agudos; por outro lado, realço o uso da Fenomenologia, como a metodologia mais apropriada para o estudo das vivências.
Objetivos do estudo
- Descobrir o significado da experiência vivenciada na relação de cuidado do enfermeiro com o doente em fim de vida;
- Desenvolver programas de prática reflexiva;
- Reconhecer o paradoxo na prática de enfermagem e estratégias adoptadas para melhorar os cuidados.
Resultados
A experiência vivida no processo de interação e cuidado ao doente em fim de vida é complexo e envolve momentos de frustração traumáticos, com sentimento de fracasso e em que se escondem intencionalmente as emoções, determinando danos morais, um efeito negativo no seu amor-próprio e portanto resultando num sofrimento mútuo.
Os principais sentimentos vivenciados, definidos como conceitos centrais, foram:
- Sensação de fracasso, culpa, ansiedade e incerteza: (sentem-se paralisados e incapazes de alcançar metas com os doentes);
- Sensação traumática de frustração: sentindo que davam respostas erradas ou obrigação de esconder o que deviam dizer; sem possibilidade de uns ou outros poderem expressar as emoções; identificada a conspiração do silêncio “um muro de silêncio” que os impedia de ajudar verdadeiramente o doente “como se o doente estivesse dentro de uma bolha”; processo descrito como de “um negócio inacabado”;
- Compromisso confuso e um processo paradoxal: Todos descrevem o processo confuso, trabalhando dentro do caos e da imprevisibilidade; cuidar no fim de vida causa múltiplos sentimentos como raiva, medo, e vergonha em vez de esperança, inspiração e sucesso. Alguns referiram sentir-se “totalmente miserável”, “uma agressão emocional”.
- Escondendo o assunto e a não exposição de Sentimentos: a incapacidade de comunicar verdadeiramente com os doentes, de expressarem emoções e de não refletirem sobre os atributos do sofrimento vivido (discutir casos), impede-os de garantir qualidade nos cuidados que prestam, referem “às vezes era preciso fazer sentir ao doente que não estava a morrer”, para poderem lidar com ele; a ansiedade criada levou a uma interação ineficaz.
- A prática reflexiva e em grupo permitiu identificar o tempo certo para discutirem os casos; a necessidade de expressarem dificuldades individuais em cada situação, de encontrarem estratégias para resolver situações semelhantes, permitiu também assumir que a enfermeira é humana e nem sempre tem a palavra certa e soluções para tudo; desafiando a equipa médica a idêntica prática e atitudes.
Os autores reafirmam a complexidade de sentimentos vivenciados pelos enfermeiros que cuidam doentes em fim de vida e sugerem que este tema deveria continuar a ser alvo de estudo e de atenção na Prática, na Educação/Formação e na Liderança de enfermagem, procurando desse modo aumentar a reflexão crítica dos profissionais sobre o tema, aumentar a formação neste domínio e alerta para a importância das chefias na gestão do sofrimento dos profissionais neste processo.
Paula Sapeta
Enf.ª Prof. Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias
Autores: Ulrika Kreicbergs, R.N; Unnur Valdimarsdóttir, Ph.D.; Erik Onelov, M.Sc.; Jan-Inge Henter, M.D., Ph.D.; Gunnar Steineck, M.D., Ph.D.
Referência: The New England Journal of Medicine, September 16, 2004, vol 351, Nº 12, pp: 1175-1186
Contextualização
Uma das questões mais perturbadoras para os pais de crianças com doença oncológica e em fase terminal de vida relaciona-se com a comunicação com os seus filhos, mais concretamente, se deverão ou não lhes falar acerca da morte.
Não obstante a comunicação clara e honesta entre a criança e os pais e/ou profissionais de saúde ser uma recomendação há muito entendida como fulcral, esta dificuldade ou dúvida ainda persiste.
Este é o tema central do artigo aqui resumido, que descreve os resultados de um trabalho de investigação que os autores realizaram em 2001 na Suécia, onde tentaram conhecer se os pais falavam ou não com as crianças que se encontravam naquela situação.
População
Incluíram todos os pais cujos filhos faleceram entre 1992 e 1997, obtendo um uma amostra de 561 (de acordo com os critérios de inclusão), dos quais 449 responderam ao questionário. São pais de 368 crianças às quais foi diagnosticada doença oncológica antes dos 17 anos e morreram antes dos 25 anos.
Instrumento de colheita de dados
Utilizaram um questionário que foi elaborado a partir dos conteúdos de entrevistas efetuadas a 25 pais em luto. Posteriormente os mesmos validaram o questionário com peritos, antes do pré-teste aplicado a 22 pais.
Resultados
Os autores concluíram que 147 pais afirmaram ter falado com os filhos acerca da morte e nenhum destes se arrependeu por ter tomado essa atitude. Dos 258 pais que não falaram com os filhos acerca da morte, 69 afirmaram estar arrependidos, principalmente as mães, os pais mais velhos e aqueles que reconheceram que os filhos estavam conscientes de que a morte estava próxima.
Os autores afirmam que é provável que muitas crianças estivessem conscientes do seu fim de vida, mesmo que os pais não o reconhecessem, porém os pais que falaram com os filhos sobre a morte foram os que o reconheceram. Também os pais mais velhos e com filhos mais velhos foram os que mais falaram com eles sobre a morte, bem como os que assumiram ser religiosos.
Conclusão
A comunicação com a criança sobre o seu estado de saúde é benéfica para a própria e para o seu núcleo familiar e deve ser clara, honesta e adequada ao seu desenvolvimento psicomotor e ao estado emocional da família/pais.
Alberto Berenguer
Médico no Hospital Central do Funchal
Aluno do 3º mestrado em Cuidados Paliativos
Autores: J. Randall Curtis, MD, MPH ; Marjorie D. Wenrich, MPH ; Jan D. Carline, PhD; Sarah, PhD, RN; Donna M. Ambrozy, PhD; Paul G. Ramsey, MD
Referência: Journal of General Internal Medicine (2001) vol. 16, January, p.41-49
País: Seatle, Washington, EUA
Participantes: Doentes, Familiares, Enfermeiras, Assistentes sociais e Médicos
Desenho do Estudo: Qualitativo: Focus Group + Análise de dados com base na Grounded Theory
Objetivo: Conhecer os fatores que contribuem para a qualidade de cuidados médicos a doentes em fim de vida e identificar as competências profissionais exigidas.
Limitações do Estudo: Não referidas
Comparações: Não referidas
Não referidas Por motivos de apresentação do resumo este estará em PDF.
Paula Sapeta
Prof. Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco
Membro da Direção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.
RESUMO EM PDF
Resumo do Artigo
Autores: Ellershaw, JE ; Jack, BA. ; Gambles, M. ; Murphy, D.
Referência: International Journal of Palliative Nursing. 9(9); p. 375-381
Ano / País: 2003 / Inglaterra
Participantes: 15 Enfermeiras
Desenho do Estudo: Qualitativo/Focus Group e 2 entrevistas semi-estruturadas
Limitações do Estudo: Não é possível generalizar resultados, a amostra é pequena e as entrevistas em número reduzido.
O estudo apresentado refere-se a uma investigação realizada após implementação do Liverpool Care Pathway (LCP) for the dying patient, no sentido de avaliar a sua eficácia e as áreas de melhoria, tornando-se, por essas razões de extrema importância, pois podem encorajar outras equipas a encetar projetos de idêntica natureza.
Especial destaque para a metodologia adoptada com recurso ao Focus Group, muito adequada para estudos de natureza qualitativa, com um reduzido número de participantes, mas onde se pretende um estudo de análise intensiva e profunda.
Objetivos do estudo
Explorar a perceção das enfermeiras do hospital do impacto LCP procurando explorar os benefícios para o doente em fim de vida e as dificuldades no seu uso.
Estratégia de recolha de dados
Focus Group: foram criados 2 grupos de discussão com a investigadora como moderadora, seguidos de entrevistas semiestruturadas, de onde emergiram os temas centrais.
Resultados
Da análise de resultados do Focus Group e das entrevistas, resultaram os seguintes temas centrais:
A adopção de um protocolo de atuação e de cuidados ao doente em fim de vida apenas são referidas áreas de melhoria:
- Melhor controlo de sintomas dos doentes, menor desorientação e maior confiança da enfermeira e dos médicos mais novos, dado que as ações estão previamente definidas no protocolo;
- Diminuição dos cuidados de rotina, por vezes perturbadores para os doentes que estão a morrer, maior personalização dos cuidados;
- Descontinuação de terapêuticas inúteis, com benefícios para os doentes e diminuição de falsas expetativas da família;
- A comunicação com a família passou a ter maior prioridade e a ser mais franca e honesta;
- Impacto positivo na enfermeira, que ficou mais confiante na sua atuação e na garantia de maior qualidade nos cuidados, preocupação com cuidados psico-emocionais e espirituais, melhor atendimento da família e redução da burocracia.
Paula Sapeta
Enf.ª Prof. Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias
Título: Symptom evaluation in palliative medicine: patient report vs systematic assessment
Autores: Jade Homsi; Declan Walsh; Nilo Rivera; Lisa A. Rybicki; Kristine A. Nelson; Susan B. LeGrand; Mellar Davis; Michael Naughton; Dragoslav Gvozdjan; Hahn Pham (Palliative medicine program at the Cleveland Clinic Foundation, USA)
Revista: Support Care Cancer (2006), 14: 444-453
Edna Gonçalves
Médica do Serviço de Cuidados Paliativos do IPO-Porto
RESUMO EM PDF
Autores: Guillemette Laval, MD, Catherine Arvieux, MD, PhD, Laetitia Stefani, MD, Marie-Laure Villard, MD, Jean-Phillippe Mestrallet, MD, e Nicolas Cardin, MD - Unité de Recherche et de Soutien en Soins Palliatifs (G.L., M.L.V.) and Oncologie Médicale (L.S.), Departement de Cancerologie et d´Hematologie ; and Département de Chirurgie Digestive et de l´Urgence (C.A., J.P.M., N.C.), Le Centre Hospitalier Universitaire de Grenoble, Grenoble, France.
Revista: Journal of Pain and Symptom Management ? Vol 31 Nº 6 June 2006
Resumo
O projeto foi desenvolvido por uma equipa de especialistas do foro da medicina, cirurgia e medicina paliativa do Hospital Central Universitário de Grenoble (CHUG), França.
O estudo analisado teve como objectivos: 1) a elaboração de um protocolo médico-cirúrgico específico, que permitisse uma resposta imediata e eficaz para as situações de obstrução intestinal em doentes oncológicos terminais, com carcinomatose peritoneal, inoperável e 2) o alívio sintomático, no mais curto período de tempo, limitando, no tempo, o uso de SNG, promovendo a otimização das possíveis soluções terapêuticas, maximizando a qualidade de vida dos doentes.
O Protocolo constou de três fases terapêuticas sucessivas, nomeadamente a Fase I que implicava a resolução da obstrução com a administração de corticosteróides e obtenção do alívio sintomático através de terapêutica medicamentosa como: antieméticos, anticolinérgicos e analgésicos, durante 5 dias. Esgotadas as respostas com esta intervenção, o doente era incluído na Fase II que se caracterizava pela substituição da terapêutica instituída por octreotídeo, durante 3 dias. Com a falência desta intervenção ponderava-se a inclusão na Fase III que incluía a realização de uma gastrostomia.
O estudo teve uma duração de 4 anos (Jan/2000 a Jan/2004). Foram incluídos 75 doentes (51 M e 24 H), com uma média de idades de 64 anos (22-99 anos), com doença avançada e carcinomatose peritoneal, que desenvolveram 80 episódios de oclusão intestinal. As neoplasias do ovário e cólon/reto foram responsáveis por 53% dos casos.
Em 30 (37%) doentes previamente medicados com corticosteróides, a dose foi aumentada em 100%, ao serem incluídos no estudo.
Dos dados obtidos, na Fase I, destacam-se que 25 (31%) doentes conseguiram resolução total da oclusão e um controlo efetivo dos sintomas. Não houve resolução da oclusão intestinal, numa percentagem idêntica, recorrendo a uma intervenção cirúrgica (gastrostomia) para resolução da mesma. Foi evidente um adequado controlo de sintomas com tratamento médico, em 62% dos casos.
Do grupo que transitou para a Fase II, 11 (13%) doentes obtiveram controlo efetivo dos sintomas, mas a resolução da oclusão intestinal só foi possível em quatro casos.
A Fase III incluiu 14 pessoas, mas apenas 10 (13%) fizeram gastrostomia. Os doentes deste estádio apresentavam uma média de idade de 57,9 anos, com predomínio das mulheres (8).
Dos resultados obtidos, concluiu-se que 90% (72) dos casos foram controlados, com ou sem necessidade de gastrostomia.
A oclusão intestinal foi resolvida em 53% dos episódios, num período inferior a cinco dias, enquanto 20% dos doentes precisaram de seis a 10 dias e 17% das situações necessitaram de um período superior a 10 dias. Não foi obtido qualquer alívio em 10% dos doentes que mantiveram queixas de vómitos refratários, justificando a utilização de SNG por longo período, até à sua morte. O tempo médio necessário para a realização de gastrostomia foi de 20 dias (12-35 dias).
A sobrevida média global desde o início do estudo foi de 31 dias (7-521 dias), tendo sido de 13 dias (6-125 dias), após a gastrostomia. Foram excluídos do protocolo oito doentes. Nestes a sobrevida média foi de 17 dias (4-65 dias).
Comentário
A análise deste trabalho orienta para a necessidade de abordagem e intervenção, em cuidados paliativos, numa perspetiva conjunta de várias especialidades, em função da promoção da qualidade de vida. Pode ser possível uma intervenção eficaz, no mais curto espaço de tempo, em situações emergentes e de extrema gravidade, como acontece com o quadro de oclusão intestinal maligna, em fase avançada.
A tomada de decisões passou pela definição de estratégias, elaboradas por uma equipa interdisciplinar de médicos da medicina e da cirurgia, intervenientes no plano de cuidados, que após o diagnóstico estabelecido, desenharam um protocolo de atuação que permitisse uma resposta imediata a uma situação de oclusão previamente instalada. A credibilidade deste trabalho teve por base nas recomendações da EAPC associadas à experiência dos vários intervenientes.
Com este tipo de atuação evitaram-se intervenções de caráter intensivista, limitando a cirurgia à gastrostomia e apenas em presença de falência médica. A definição de uma estratégia terapêutica simples e rápida permitiu o controlo efetivo dos sintomas, limitando tanto quanto possível a utilização de SNG, por longos períodos de tempo.
O tratamento médico foi eficaz no controlo de sintomas em cerca de 76% dos casos (Fase I e Fase II), sendo de cinco a dez dias o tempo necessário para a efectivação do controlo de sintomas em 73% dos episódios de oclusão. O Octreotride mostrou-se uma estratégia alternativa em 31% das situações.
Do estudo é ainda possível realçar o papel importante dos corticosteróides, que associados ou não a outro tipo de terapêutica, dirigida aos sintomas presentes, conduziram a um resultado de sucesso, com controlo adequado dos sintomas e resolução da oclusão intestinal.
A percentagem de sucesso de 90% das situações, no controlo de sintomas e na resolução da oclusão intestinal, conduz a uma atitude de ponderação na atuação terapêutica e na referenciação destes doentes. A percentagem de gastrostomias (13%) define uma alternativa possível, desde que exista uma equipa sensibilizada para esta intervenção, em tempo útil, permitindo uma razoável e aceitável qualidade de vida.
Ana Bernardo
Hospital Residencial do Mar Médica,
Mestre em Cuidados Paliativos
bernaana@gmail.com
Tema: Questões Éticas
Harvey Max Chochinov, MD, PhD, FRCPC
JAMA 1, 2002 ? Vol. 287, No. 17 p. 2253-2260
American Medical Association, 2002.
Este artigo evidencia uma nova abordagem à pessoa na proximidade da sua morte baseada na conservação da dignidade. Na linha do autor, podemos considerá-lo um novo modelo de intervenção em cuidados paliativos, cujo objetivo é ajudar o doente a sentir-se valorizado até ao fim.
Para Chochinov, embora os cuidados de conservação da dignidade devessem ser avaliados e validados em várias populações, o conceito de conservar a dignidade no cuidar em fim de vida deverá tornar-se parte do léxico dos cuidados paliativos, e do padrão de atuação em relação a todos os doentes que se aproximam do fim de vida.
Apresentando algumas referências a entrevistas dirigidas a doentes, familiares e profissionais sobre o que significa morrer com dignidade, o autor parte para diferentes conceitos de dignidade baseados na experiência de vida de cada interveniente, da sua cultura, aspetos psicossociais, espiritualidade e sentido existencial.
Salienta-se, por um lado a dignidade como uma dimensão da vida perspetivada desde a dimensão espiritual, ou seja, inerente à própria condição humana e, por outro lado, mais ligada aos cuidados prestados e à qualidade dessa prestação, ou seja, uma dignidade que passa pelo reconhecimento do outro.
É fazer sentir ao outro que tem valor. Partindo de uma vasta pesquisa bibliografia de outros trabalhos de investigação, o autor sublinha a preservação de dignidade como um dos objetivo claros dos cuidados paliativos e a finalidade de qualquer intervenção que se estende para lá do paradigma do controlo dos sintomas e abarca os aspectos físicos, psicológicos, sociais da experiência do doente em fim de vida. A dignidade é definida como: a qualidade ou estado de “ter valor”, ser honrado ou estimado.
No presente artigo, os indivíduos incluem no seu sentido ou importância de “morrer com dignidade” assuntos práticos como o conforto básico, o tipo ou qualidade de cuidado e espiritualidade. A dignidade fornece uma moldura central que pode guiar o profissional, o doente e a família a definir objetivos e considerações terapêuticas fundamentais do fim de vida. Daí a importância de um exame cuidadoso ao grau de satisfação, conforto psicológico, capacidade de auto-controlo e apoio, autoconceito positivo e respetivo significado para o doente. Alcançá-las como resultados terapêuticos continua a ser um desafio terapêutico.
O modelo de tratamento conservador de dignidade considera 3 grandes áreas de influência nas perceções individuais de dignidade: preocupações ligadas à doença (aspetos que advêm claramente da doença); o repertório de conservação de dignidade (influências relacionadas com os recursos psicológicos e espirituais do doente) e o inventário social da dignidade (aquelas influências ambientais que podem afetar a dignidade).
Este modelo é empiricamente baseado em doentes em fim de vida com cancro e suporta validação posterior, noutras doenças específicas ou populações especiais para confirmar a sua generalização.
Embora as noções de dignidade possam ser influenciadas pela natureza da doença de cada um, ou culturalmente, ligadas por questões tais como a religião e a etnicidade, o modelo referido pode ser suficientemente abrangente para conter estas várias considerações.
As perspetivas de conservação da dignidade incluem 8 subtemas, cada um a descrever a sua influência no sentido de dignidade do próprio doente. Estas perspetivas não são hierárquicas. Nenhuma delas é mais poderosa do que outra, uma ou alguma podem ser mais eficazes para um doente, como outras serem para outro. Integridade pessoal refere-se a que a essência da pessoa permanece intacta apesar do progresso da doença e que nos impele a olhá-la de forma holística.
Preservação do papel social é a capacidade dos doentes para funcionarem ou continuarem investidos do seu papel habitual, como modo de manter congruência com uma visão anterior deles mesmos.
Manutenção de auto-estima é a capacidade de manter um sentido positivo de auto-respeito.
Esperança é ver a vida como contínua ou tendo constante significado ou propósito.
Autonomia/controlo é a habilidade para manter um sentido de controlo sobre as circunstâncias da vida.
Generosidade é o consolo ou conforto de que algo na vida da pessoa transcenderá a morte.
Aceitação é a capacidade de se adaptar às mudanças das circunstâncias da vida de uma pessoa.
Finalmente, resiliência/luta espiritual é a determinação mental exercitada numa tentativa para ultrapassar ou otimizar a qualidade de vida.
Em síntese, as estratégias terapêuticas referidas neste modelo devem tentar apoiar o sentido de autonomia do doente e a sua capacidade para funcionar tão independente quanto possível, valorizando a sua história de vida, o que já foi, o que é e o que poderá vir a ser.
Comentário/ razão da selecção
A leitura deste artigo proporciona uma nova forma de concetualizar os cuidados no âmbito dos cuidados paliativos e suporta cientificamente o que dizemos inúmeras vezes que são cuidados ativos, holísticos, dignificadores e tecnicamente executados.
Corroboro com o autor quando afirma que os cuidados conservadores de dignidade compreendem não só o que se faz aos doentes, mas também a maneira como estes são vistos.
Ajudar a manter a dignidade vai mais além daquilo que se faz com ou ao doente, reside no valor dos pequenos atos silenciosos e dignificadores que tecem a vida de todos os que estão envolvidos no cuidado. Só assim, podemos fazer sentir a cada pessoa, esta singularidade existencial e o quão importante continua a ser para si, para a sua família e para cada profissional.
A dignidade não é algo que se tem, mas é a excelência que se é!
Paula Jacinta Carneiro
HSC. Directora de Enfermagem da Casa de Saúde da Idanha
Membro coordenador da Equipa de Cuidados Paliativos da Unidade de S. Bento Menni - Idanha.
Tema: Apoio à Família
Autores: Emily Cherlin; Terri Fried; Holly G. Prigerson; Dena Schulman-Green; Rosemary Johnson-Hurzeler and Elizabeth H. Brandley.
Revista: J. Palliative Med. 2005 December; 8 (6): 1176 - 1185
Resumo
O objetivo dos autores deste artigo é avaliar a comunicação existente entre clínicos, doente e familiares cuidadores. Segundo os autores, a comunicação é uma componente de extrema importância no aumento da qualidade de cuidados.
No presente estudo, os autores pretenderam analisar a comunicação clínicos/familiares acerca das doenças incuráveis, expetativas de vida e unidades de cuidados paliativos (possibilidade de recorrer a elas). O estudo focalizou a sua amostra em doentes com patologia oncológica, uma vez que o prognóstico decorrente irá focar os pontos-chave que pretendiam analisar.
No que concerne ao método utilizado no presente estudo, este foi um método misto aplicado com perguntas estruturadas a 206 cuidadores familiares e semiestruturadas a 12 cuidadores.
Este estudo faz parte de uma longa prospeção avaliando o bem-estar dos cuidadores familiares no tempo em que decorre o internamento em unidades e depois 6 a 13 meses após a morte do doente.
O estudo iniciou com 206 cuidadores de pacientes com cancro incurável internados em unidades entre outubro de 1999 e setembro de 2001. Contudo, 130 dos 206 cuidadores do estudo foram entrevistados no mês que sucedeu à morte do doente.
Inicialmente foram sinalizados pela equipa clínica da unidade 391 cuidadores a entrevistar. Desses 391, 100 referem não terem sido contactados, 28 não puderam ser contactados, 6 encontram-se gravemente doentes ou com perturbações cognitivas. Os 206 cuidadores entrevistados representam 78% dos contactados (206/263) e 53% do número original de entrevistados 391).
No que se refere à parte quantitativa do estudo, procurou-se perceber a prevalência e o tempo de comunicação dos cuidadores clínicos/familiares relativamente a aspetos de cuidados em fim de vida.
A estruturação da entrevista com os cuidadores primários foi administrado em presença no ou perto do tempo de internamento na unidade pelo Assistente Social com larga experiência em cuidados em fim de vida.
Foram aplicadas seis perguntas. A proporção qualitativa do presente estudo inclui a entrevista semiestruturada com os cuidadores primários que se encontravam envolvidos emocionalmente com a unidade durante novembro de 2000 a junho de 2002.
Nestas entrevistas os autores procuraram compreender a experiência dos cuidadores no mês precedente ao internamento na unidade com uma focalização na natureza da comunicação.
Os resultados do estudo demonstram que um número razoável de cuidadores refere que os clínicos nunca lhe comunicaram que a doença era incurável ou que as unidades eram uma possibilidade.
Referem, igualmente, que quando este tipo de assunto surge, por vezes, já é tardiamente. A maioria dos cuidadores indica, ainda, que a comunicação dos clínicos foi variável de acordo com a sua própria compreensão acerca da condição do doente e das unidades como um tratamento alternativo.
De acordo com as expetativas de vida, são muitos os cuidadores que referem que não partilharam do mesmo ponto de vista dos clínicos no que se refere ao tempo de vida restante do doente.
O estudo indica que há uma variação substancial na comunicação que ocorre entre clínicos e cuidadores informais. Uma minoria de cuidadores referem que não tiveram conhecimento pelo clínico que a doença do paciente não tinha cura e a sua maioria nunca falou acerca de unidades como uma possibilidade. Nalguns casos, a comunicação acerca da doença ser incurável e a possibilidade de recorrer a uma unidade é referido como ocorrendo somente no último mês ou na última semana de vida do doente.
Face à variação dos desejos e necessidades de comunicação dos cuidadores informais, segundo os autores, a mudança pode não estar no ensinar os clínicos a comunicar mais e melhor com os doentes e suas famílias, mas nestes avaliarem o que o doente e a família desejam e o que irão beneficiar dessa mesma comunicação.
Comentário
A comunicação assume uma relevância fulcral nos cuidados em fim de vida. Cada vez mais torna-se importante saber comunicar onde, como e quando. Neste estudo podemos constatar a importância que a comunicação assume junto dos cuidadores e do doente e como tal pode reduzir o seu grau de ansiedade, permitido, assim, ao doente e à família participarem nos cuidados e nas decisões.
A família e, alguns doentes, pretendem uma informação clara, concisa, realista e honesta acerca da situação clínica do doente e quanto à evolução da doença. É primordial que todos os profissionais de saúde estejam atentos às necessidades de comunicação do doente/família e terem sempre presente que este momento é único para cada família.
Ana Patrícia Martinho
Assistente Social - Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro
Autores: Yves Libert; Isabelle Merckaert; Christine Reynaert; Nicole Delvaux; Serge Marchal; Anne-Marie Etienne; Jacques Boniver; Jean Klastersky; Pierre Scalliet; Jean-Louis Slachmuylder; Darius Razavi.
Revista: Support Care Cancer (2006) 14: 230-242
Resumo
A comunicação é cada vez mais reconhecida como uma das competências fundamentais aos profissionais de saúde, que trabalham em cuidados paliativos, nomeadamente aos médicos.
Pesquisas sobre as competências dos médicos mostram que as suas características pessoais, entre elas, o tipo de locus de controlo, podem influenciar o estilo de comunicação e de intervenção com os doentes oncológicos.
O artigo em questão apresenta um estudo que tem como objetivo testar a hipótese de que na intervenção com doentes oncológicos e seus familiares, os médicos com um locus de controlo (LOC) externo (que acreditam que os acontecimentos de vida são controlados por factores externos como a sorte, o destino, etc.) têm um estilo de comunicação diferente dos médicos com LOC interno (que acreditam que os acontecimentos de vida resultam das nossas próprias características e ações).
A amostra foi selecionada entre 157 médicos com várias especialidades que trabalham com doentes oncológicos, e que mostraram interesse em participar num programa de treino de competências em comunicação médico-doente-família.
Utilizaram o “Cancer Research Campaign Workshop Evaluation Manual” para avaliar as capacidades comunicacionais dos médicos, e a escala Rotter I-E para avaliar o LOC.
Os resultados do estudo mostram que na relação com os doentes/família os 2 tipos de LOC apresentam características distintas.
Os médicos com um LOC externo:
- mostram mais interesse pelos doentes e família
- dão informações mais corretas e consequentemente falam mais com os doentes e familiares
- preocupam-se com a avaliação da situação, (como verificar ou sumariar)
- usam atitudes relacionadas com o apoio (como ser empático, tranquilizar, ensinar, confrontar com a realidade ou alertar para a realidade).
Os médicos com um LOC interno:
- sentem que conseguem controlar a relação com os seus doentes oncológicos
- são mais relutantes ou sentem menos necessidade de fazer treino de
comunicação.
Também na forma de adaptação ao stress os 2 grupos mostram diferenças:
- Os médicos com LOC externo referem menos realização pessoal e um maior nível de despersonalização do que os de LOC interno
- Os médicos com LOC externo tendem a manifestar mais stress do que os de LOC interno.
Em conclusão, os resultados deste estudo mostram que os médicos com um LOC externo têm uma atitude mais centrada no paciente do que os médicos com LOC interno. Uma verdadeira comunicação centrada no doente implica um alto nível de competências comunicacionais.
O estilo de comunicação do médico deve ser determinada mais pelas características do paciente do que pelas características do médico. Assim, os médicos devem tomar consciência que as suas próprias características psicológicas podem interferir na forma como comunicam. Este conhecimento deve ajudar a diferenciar as necessidades dos doentes em relação à informação que cada um necessita em particular e não aquilo que o médico acha que ele precisa.
Cristina Pinto
Psicóloga, Centro Saúde Odivelas
Referência Bibliográfica: HUSEBO, Stein (Sem data). Amor y Duelo. Lo que podemos aprender de los niños. Grunethal GmbH. Tradução para espanhol: Vibeke Christina Granaas-Elminger.
Palavras-chave: Criança, Doença Grave, Vida, Morte, Luto, Homenagem, Medicina Paliativa, Desafios Éticos, Últimas Horas, Viver com o Luto, Luto Intenso (Luto Patológico).
Resumo
O livro, de uma enorme clareza, pode-se constituir como um manual para pais e familiares de familiares com doença grave e terminal.
Podemos dividir a leitura do livro em quatro partes fundamentais: 1.ª A percurso evolutivo de doença grave numa criança; 2.ª Vida, Morte e Luto, homenagem; 3.ª Medicina/ Cuidados Paliativos; 4.ª Depois da morte: o luto.
Na 1.ª parte, o autor perpassa o percurso que especialmente a família de uma criança com uma doença grave/ terminal, atravessa, desde a fase dos primeiros sintomas, diagnóstico e negação, até ter que enfrentar os tratamentos e a evolução para uma situação terminal.
Para o autor resulta difícil definir o que é uma reação normal face a um diagnóstico de doença grave numa criança, podendo acontecer que toda a família fique doente. Para o autor duas das formas possíveis são o choque e o luto antecipado.
Outros dos aspetos principais é a importância de envolver os outros irmãos da criança na evolução, pois este defende que as dificuldades são muitas vezes colocadas pelos adultos. Este envolvimento permite aos irmãos compreender a mudança de papéis no seio da família, bem como poder dar e receber apoio.
A comunicação resulta fundamental em todo o processo, sendo importante dar esperanças realistas aos pais e familiares que atravessam um desafio tão difícil: “Cuando, como médico, trato a pacientes muy enfermos, generalmente les hablo, ya desde el principio, de esperanzas alternativas, dependiendo dela situación y la evolución de la enfermedad” (pp.:20).
Este apoio à família deve ter em conta as situações de apoio especializado de que possam carecer.
Na 2.ª parte, o autor faz uma homenagem à sua filha Solveig, que faleceu por suicídio, a Víctor, uma criança de seis anos que padecia de leucodistrofia e que o autor acompanhou até o seu falecimento. Nestes dois testemunhos, como em outros, o autor relata, na primeira pessoa no caso da filha e encarnando o papel de médico, no caso da segunda, os problemas e dificuldades que sentem os familiares (especialmente pais e irmãos), de jovens e crianças que faleceram ou que enfrentam uma situação de doença terminal.
Para o autor: “Nosotros y nuestros hijos estamos dejando escapar la oportunidad importantíssima de comprender el mayor desafío de la vida, es decir, el que la vida no es eterna y que tenemos que desprendernos de nuestros seres más queridos” (pp.: 35).
Na 3.ª parte, o autor aborda os temas da medicina / cuidados paliativos, como ajuda no final da vida. Nesta parte o autor define o que são cuidados paliativos, apresenta a filosofia dos cuidados paliativos, nomeadamente a relevância do controlo de sintomas, o respeito pela morte como parte da vida, os novos valores no tratamento dos pacientes graves e terminais, a multidisciplinaridade e interdisciplinaridade e a importância do luto.
Para este autor: ?El ser humano es el único ser viviente que tiene conciencia de su propia muerte e de la del prójimo? (pp. 46).
O luto e o sofrimento que lhe está inerente pode levar a pessoa a permanecer preso no luto ou a poder experimentar uma grande evolução e amadurecimento pessoal. Ele considera que temos muito a aprender uns com os outros e que os pacientes só receberão os melhores cuidados se trabalharmos todos unidos.
Nesta parte Husebo aborda ainda os principais problemas que se apresentam nos doentes terminais (dor, dispneia, inconsciência, agitação, anorexia, estertor...), os desafios éticos e a relevância de envolver o doente e a família no processo de tomada de decisão, qual o melhor local para morrer, etc.. Este último aspeto remete para a importância de permitir ao doente que esteja acompanhado dos que lhe são queridos, pois a experiência demonstra que ter a oportunidade de despedir-se assume um valor insubstituível tanto para quem está a morrer, como para aqueles que ficam.
Na 4.ª parte o autor debruça-se mais concretamente sobre o luto. Para quem perde uma criança ou um familiar próximo, a vida não volta a ser como antes. Este autor considera que não é necessária a morte de alguém para que haja lugar ao processo de luto, pois considera que se verificam situações de sentimento de luto com a perda do emprego, as separações, etc..
Explica algumas das manifestações mais frequentes no luto, como sejam os sintomas afetivos, as chamadas de atenção, alterações de auto percepção, deterioro cognitivo, sintomas psicológicos, reações familiares, etc..
Fala ainda sobre o tempo normal do período do luto, considerando que cada membro da família tem a sua velocidade e o seu ritmo de evolução pessoal (pp.: 78), referindo que o fator tempo não pode ser imposto de fora e que cada um deve ter o tempo de que necessite (pp.: 81).
Para o autor deve substituir-se o termo luto patológico, por luto intenso, porque o luto é uma reação natural e humana a uma perda.
Por fim, dá algumas sugestões sobre como ajudar um familiar que se encontra a atravessar um período de luto.
?Es obvio que hay que relatar este episodio para subrayar que todos somos novatos en estas situaciones, independientemente de la experiencia con que contemos? (pp.: 40).
Enf.º Miguel Tavares
Unidade de Cuidados Paliativos-IPO Porto
RESUMO EM PDF
Philips J, Gold M, Milner A, Di Iulio J, Miller B, Spruyt O: A Randomized, Double-Blind, Crossover Trial of the Effect of Oxygen on Dyspnea in Patients with Advanced Cancer. J Pain Symptom Manage 2006; 32:541-550
Em doentes oncológicos com dispneia pretendeu-se determinar se os doentes obtinham maior benefício sintomático com oxigénio ou com ar, administrados em idênticas condições. O estudo foi randomizado, duplamente cego e com “cross-over”. Pretendia ainda pesquisar se haveria diferenças na escolha e vantagens obtidas por doentes com hipoxémia e sem ela.
Métodos
Os doentes eram incluídos se: diagnóstico de cancro, avaliação de dispneia na escala visual analógica (EVA) de pelo menos 30mm, etiologia principal desta atribuída ao cancro, a fazerem doses estáveis de opióides, sem alterações cognitivas, com mais de 18 anos e sem contra-indicação para o uso de oxigénio.
A avaliação prévia a cada administração correspondia à aplicação de uma EVA à sensação de dispneia, medição da oximetria de pulso e uma avaliação qualitativa baseada na EORTC QLQ-C30.
Os doentes eram randomizados para receber 15 minutos de oxigénio ou 15 minutos de ar, por óculos nasais a 4l/min, em repouso, seguidos do outro gás após 30 minutos de intervalo.
Repetiam as avaliações iniciais logo após cada administração. O doente e o investigador escolhiam no fim o gás a que atribuíam maior benefício.
Foram usados métodos estatísticos de acordo com o desenho de “cross-over”
Resultados
Foram selecionados para o estudo 51 doentes entre 8/2001 e 1/2005. Vinte e sete (53%) randomizados para o braço “ar primeiro” e 24 (47%) para o braço “oxigénio primeiro”. Todos os doentes tinham feito oxigénio intermitente anteriormente.
Quanto às duas dimensões que avaliavam a sensação de dispneia, EVA e dimensão qualitativa verbal, não houve diferenças estatisticamente significativas entre ambos os gases usados. Quanto à saturação de oxigénio houve diferença entre ambos os gases, como seria de prever.
Não houve relação entre a saturação de oxigénio e os resultados da EVA aplicada à dispneia.
Quarenta e um por cento manifestaram preferência pelo oxigénio, 29% pelo ar e 29% não tinham preferência, o que correspondeu à inexistência de diferença estatisticamente significativa. Nos 17 doentes que tinham hipóxia não houve diferença significativa na avaliação da EVA com um e outro gás. Ainda, nas preferências 35% preferiu o ar, 24% o oxigénio e 41% não indicaram preferência.
Discussão
O uso de oxigénio, no alívio da dispneia, nos doentes com cancro tem sido avaliado por poucos estudos e com resultados contraditórios. Num estudo de Bruera houve benefício sintomático em doentes hipoxémicos, mas, noutro, conduzido por Booth, em doentes dispneicos, com e sem hipoxémia, o emprego de oxigénio resultava igualmente ao do ar. 1,2,3
O oxigénio não é, assim, uma “panaceia” universal para todos os doentes com dispneia. 3
Neste estudo, agora publicado, foram avaliados 51 doentes com dispneia em repouso, com e sem hipoxémia. Houve dificuldades no recrutamento, tendo o estudo decorrido entre Janeiro de 2001 e Agosto de 2005. Apesar do número de doentes parecer pequeno é superior ao dos estudos referidos anteriormente.
De destacar a melhoria na EVA, com ambos os gases e a falta de correlação entre a saturação de oxigénio e as queixas de dispneia.
Os autores concluem que a administração intra-nasal de um gás, seja oxigénio ou ar, melhora a sensação de dispneia nos doentes com cancro avançado. Continuamos a necessitar de perceber quais os fatores que se associam a uma melhoria sintomática com o oxigénio e não com o ar. O tratamento da dispneia requer uma avaliação sintomática e não só a avaliação objetiva dos dados da oximetria ou gasometria.
Bibliografia
- Bruera E, de Stoutz N, Velasco-Neiva A, Schoeller T, Hanson J. Symptomatic benefit of supplemental oxygen in hypoxemic terminal cancer patients. Lancet 1993; 342: 13-14
- Booth S, Kelly M, Cox N, Adams L, Guz A. Does oxygen help dyspnea in patients with cancer? Am J Respir Crit Care Med 1996; 153:1515-18
- Spathis A, Wade R, Booth S ?Oxygen in the palliation of breathlesness? in Dyspnoea in advanced disease a guide to clinical management. Ed. Booth S, Dudgeon D, Oxford University Press, Oxford, 2006 pag-205-236
Madalena Feio
Médica,
Pós-graduação em Cuidados Paliativos,
Unidade de Assistência Domiciliária, IPOLFG E.P.E.
Kerstin Stieber Roger, PH.D.
Manitoba Palliative Care Research Unit, Canada
Palliative and Supportive Care (2006), 4, 295-303
Pouca atenção tem sido dada à investigação em indivíduos com demência em fim de vida, essencialmente porque esta doença sempre foi vista como parte natural e inevitável do envelhecimento e porque o estigma e a vulnerabilidade envolvendo doentes idosos com alterações cognitivas incomoda, de certa forma, o decorrer dos estudos científicos. Embora indivíduos idosos devam ser protegidos, esta proteção não deve impedir a investigação.
Demência é definido como distúrbio caracterizado por perda progressiva de memória e da função cognitiva, ocorrendo essencialmente no idoso. Embora comumente usado como sinónimo de doença de Alzheimer, o conceito engloba mais de trinta tipos de doenças, marcadas por declínio cognitivo, psicológico e comportamental irreversíveis.
O tratamento da pessoa com demência pode e deve ser melhorado com o reconhecimento da personalidade prévia e especial atenção deverá ser dada à comunicação interativa não-verbal, ao conhecimento das experiências e ambiente envolvente que muitas vezes, são o ponto de partida para a agitação e agressão físicas que grande número de doentes apresenta.
A incapacidade de avaliação da dor nesta patologia e o desinteresse médico geral levam a um reduzido investimento nesta área. Para reduzir a dor e o desconforto a ela associado quatro pilares devem ser considerados: terapêutica medicamentosa; mobilização; música calma e toque físico gentil. A observação das expressões faciais e alterações comportamentais são utensílios importantes de avaliação álgica.
Não existindo divergências entre médicos quanto à terapêutica medicamentosa, o esforço deverá ser direcionado no aprofundamento dos valores morais e sociais envolventes para que a prescrição melhor sirva o seu objectivo global.
Os cuidadores são comprovadamente elementos essenciais no bem-estar dos indivíduos demenciados e devem ser incentivados a “cuidar de si, enquanto cuidam do outro”, através de técnicas de respiração e relaxamento, "role playing" e desenvolvimento de atitudes mais assertivas nas suas vidas.
Diminuta evidência científica nos aparece acerca de qual o sofrimento e o que ele significa para o indivíduo demenciado e até que ponto a sua experiência na fase terminal é moldada pelo ambiente, o tipo de tratamento, o estigma social associado e as falsas interpretações da sua dor e desconforto.
Campbell e Guzman (2004) afirmam que pouco se sabe sobre demência e os seus cuidados médicos específicos e, é por isso, impossível afirmar que muitas pessoas não continuem a ser objeto de mortes desconfortáveis e sem qualidade.
A investigação científica em demência está preenchida por profundas lacunas que é preciso colmatar. Torna-se, portanto, essencial aprofundar os seguintes campos:
- Conhecimento da trajetória e experiências pessoais do doente demenciado;
- Desenvolvimento de programas de Cuidados Paliativos específicos;
- Desenvolvimento de utensílios e procedimentos para avaliação de dor;
- Investigação acerca do processo de decisão, em particular quando o indivíduo não é capaz de o fazer e não preparou um plano de tratamento prévio;
- Desenvolvimento de técnicas de comunicação dirigidas e de que forma essa intereção modela a história do indivíduo e o seu bem-estar;
- Avaliação dos familiares e cuidadores;
- Investigação das experiências específicas do homem e da mulher demenciados, dos seus valores sociais e étnicos;
- Apoio no luto e necessidades espirituais;
Dada a antecipação clara do envelhecimento da população e o impacto que o diagnóstico de demência vai ter no futuro, o conhecimento desta patologia mudará profundamente a forma como olhamos os Cuidados Paliativos e a Medicina de forma global, razão pela qual é emergente “pensar e investigar demência”, completando pouco a pouco a reduzida evidência científica que tão meritoriamente este artigo tenta agregar.
Miguel Julião
Médico Interno Ano Comum
Grupo Hospitalar Lisboa Ocidental
Alba Payàs i Puigarnau
“Acompanhar com compaixão é difícil porque requer a disposição de ir com os outros, ali onde se sentem débeis, vulneráveis, sós e feridos. O nosso maior dom é a habilidade de entrar com compaixão na dor daqueles que sofrem.” (Henri Nouwen)
A autora deste artigo dá-nos uma visão sobre a espiritualidade na última etapa da vida e algumas orientações para os profissionais, para que em equipa, possam dar a atenção espiritual que esses doentes necessitam.
Todas as sociedades dispõem de uma variedade de crenças e ritos ao redor da morte para ajudar o doente e sua família a enfrentar esse experiência. Mas atualmente, esta perspetiva filosófica e até mesmo religiosa diante da morte ficou relegada pelo espetacular avanço da medicina e da ciência.
Raramente morre-se em casa, morre-se com frequência nos hospitais, pelo que os profissionais de saúde deverão estar abertos a acompanhar e a apoiar os doentes em situação terminal e a atender às suas necessidades espirituais. A responsabilidade da atenção espiritual há-de ser partilhada entre todos os membros da equipa.
Para falar de acompanhamento espiritual a pessoas na última etapa da vida, é essencial, em primeiro lugar, entender a diferença entre religiosidade e espiritualidade. Quando falamos de religião referimo-nos a um conjunto de crenças que conformam uma visão do universo específica, com uma ordem superior que dá um significado concreto ao sentido da vida humana. Cada religião expressa esta visão particular do mundo e da vida do homem em relação com o seu criador através de uma série de rituais, filiações e normas éticas num marco de acontecimentos de referência. As necessidades religiosas das pessoas têm que ver com a expressão das suas crenças, a relação com o seu Deus, o uso de orações e os atos rituais de comunicação à volta de certos símbolos e objetos de culto, os sentimentos partilhados com os outros membros da comunidade, a celebração do sentido da comunidade e a responsabilidade de cada um.
Ao referirmo-nos à espiritualidade entendemo-lo como experiência muito mais pessoal e intima que pode ou não ser expressa dentro de uma religiosidade. A espiritualidade pertence ao domínio interior do homem e à sua consciência ou perceção de si mesmo no mundo. À espiritualidade chega-se a partir da experiência e conexão pessoal interior com o âmbito íntimo. A espiritualidade tem a ver também com a aceitação daquilo que é irracional: a existência de um ser superior, essência, ordem suprema. Algo que nós não podemos entender nem controlar e que desafia à lógica, mas do que podemos participar de alguma maneira e que pode dar significado à nossa existência.
Quando a pessoa enfrenta a própria mortalidade, a dinâmica espiritual aparece como um intento de busca interior.
A relação de ajuda no acompanhamento espiritual está baseada em duas atitudes: o absoluto respeito pelo caminho da própria pessoa e a atitude de interrogação.
É necessário partir de uma situação de nudez: de não ter mapas que sirvam. O cuidador nunca pode impor o seu mapa pessoal. Entramos num terreno de que só a própria pessoa pode fazer a sua cartografia. Para conseguir isto devemos manter uma atitude de interrogação. Não conhecemos o mundo do interior da pessoa e o nosso trabalho é acompanhar, e dar luz e muito espaço para que a pessoa possa fazer o seu trabalho.
As perguntas são o instrumento que permite à pessoa conectar consigo mesmo, com os seus sentimentos, crenças, esperanças. As boas perguntas ajudam a focalizar no processo de exploração pessoal. Acompanhamos fazendo perguntas explícitas ou implícitas (um silêncio é muitas vezes uma boa pergunta) que ajudem a pessoa na sua viagem de descoberta pessoal.
Muitas vezes quem enfrenta a morte pergunta-nos sobre questões como o sentido do sofrimento ou a possibilidade de vida depois da vida, entre outras. Quando nos fazem perguntas sobre preocupações espirituais, na realidade não esperam que lhes demos resposta e se a damos, seguramente não a escutam ou não lhes servirá.
Como refere Brady (1979) perguntam-nos como uma forma para promover a conversa que os ajude a articular os seus próprios pensamentos e a sua luta interior. Fazem-no desde uma necessidade de nos explicar algo muito pessoal: partilhar a sua própria história.
Necessidades espirituais na última etapa da vida
Importa salientar, na perspectiva da autora, quais são as preocupações espirituais mais frequentemente expressas:
Encontrar sentido, significado na própria vida
Diante da consciência da própria mortalidade, desperta-se para uma profunda revisão de vida que permite à pessoa entender e encontrar um significado e um propósito para a própria existência. Um indivíduo que se situa perante a morte pergunta-se sobre o seu passado, o presente e o futuro: porque estou doente? Que sentido tem a minha doença agora, neste momento da minha vida? Que sentido tem a dor e o sofrimento que tenho de viver?
Também esta procura toma uma dimensão de integração do passado: que sentido teve a minha vida? Se agora tenho de morrer, vale a pena? Quem sou eu? Qual foi o meu papel na vida? Para assistir o doente nestas perguntas, é útil animá-lo a que faça uma revisão da sua vida, colocando a atenção nos acontecimentos mais significativos: coisas que fez, sucessos que se apresentaram ou a parte da história que lhe coube viver, podem ser áreas de exploração.
Ajudar a identificar os frutos de cada etapa: o significado não se inventa: é necessário ajudar a descobri-lo. Muitas vezes o sentido profundo encontra-se em acontecimentos muito simples, onde existiram sentimentos especiais de amor ou de dor, simples encontros entre pessoas que se querem, que desfrutam da vida ou da relação ou que fazem algo criativo. A necessidade de resolver lutos passados não elaborados também emerge frequentemente quando as pessoas enfrentam a morte.
O trabalho de reconstruir um significado em relação às perdas do passado é um dos temas centrais do luto (Neimeyer, 1997). Nem todas as perdas supõem uma ameaça aos construtores de significado: de facto, algumas possivelmente os reforçam. Mas na última etapa da vida, podem aparecer assuntos pendentes não resolvidos que supõem uma fonte de sofrimento se não resolvidos adequadamente.
Querer e sentir-se querido até ao final da vida
O doente, e muito especialmente o que enfrenta a morte, vive a ameaça da rutura de suas relações com os outros, com os entes queridos, mas também consigo mesmo. A necessidade básica de todo o ser humano é a de querer e ser querido, e sentir a sua conexão até ao final da sua vida.
A última etapa da sua vida é uma oportunidade de celebração e aprofundamento dos vínculos mais importantes da vida da pessoa e também uma oportunidade de restabelecer aqueles que estavam desfeitos e que antes de morrer a pessoa deseja resolver.
Muitas vezes, necessita completar as relações do passado, resolver os assuntos pendentes e viver o que fica de tempo com relações mais significativas. O trabalho de resolução de pendentes inclui o trabalho de perdão, a expressão de gratidão e de afeto. Neste mesmo sentido Kornfield fala-nos de que diante da morte só há duas questões importantes: amei bem? Fui querido?
Sentido de esperança e/ou transcendência
Encontrar um sentido para a própria vida relaciona-se com outra necessidade: o anelo de um nível de transcendência. As pessoas religiosas podem ter necessidade de aprofundar a sua relação com Deus através de orações, sacramentos ou outras expressões rituais. Para esses o conforto está na certeza do reencontro com Jesus, ou Atman, ou Tão e têm a esperança religiosa de ser perdoados, ou de chegar à iluminação. Para outro, a esperança pode-se encontrar no sentimento de uma vida completa, o regresso à natureza e à participação no sentido da vida, a perpetuação através da família, o legado artístico ou criativo, a contribuição social ou intelectual à comunidade ou ao viver na recordação dos seres queridos.
Neste processo de exploração e procura de significado há atividades que podem resultar muito úteis: capacidade de estabelecer uma relação de confiança: escuta paciente, respeitosa, cálida. Muitas vezes, tudo o que nos pede é que estejamos presentes como testemunhas silenciosas da sua dor. Também podemos ajudar com pequenas atividades como a reminiscência, fotografias, pinturas significativas, objetos queridos, música preferida, criar símbolos ou ritos, meditações guiadas, a prática do silêncio, a expressão emocional, a escrita criativa.
Conclusão
“Acompanhar os outros não é dar-lhes os teus valores
Se não revelar-lhes os seus valores
Os seus dons, as suas forças,
E confiar neles e na sua capacidade de crescer.” (Jean Vanier)
Paula Carneiro
Enf.ª Coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos
Bento de Meni, IHSCJ, Casa de Saúde da Idanha
Autores: Ramkumar, D., Rao, S. Division of gastroenterology, University of Iowa Carver College of Medicine.
Revista: American Journal of Gastroenterology, 2005.
Objetivos do estudo
Sendo a obstipação comum e o seu tratamento pouco satisfatório, muitos agentes têm sido utilizados, com dados limitados sobre eles. O objetivo principal foi proceder a uma revisão sistemática da eficácia e segurança dos produtos utilizados tradicionalmente.
Metodologia
Utilizando as bases de dados da MEDLINE e da PUBMED, desde 1966 até 2003, foi realizada uma pesquisa, onde a palavra obstipação foi combinada com os termos laxantes osmóticos, laxantes irritativos, laxantes estimulantes, laxantes “Bulk” (volume, carga, etc.), amolecedores de fezes, lactulose, sorbitol, MOM, sulfato de magnésio, PEG, sene, bisacodyl, danthron, cascara, psillium, methylcellulose, policarbofilato de cálcio, isphagula, farelo, celidónia, plantas, aloé vera, docusate, poloxalkol, óleo mineral, glicerina, misoprostol, eritromicina, loxiglumida, tegaserod, remédios herbais, medicina tradicional, herbas chinesas e colchicina.
As categorias dos fármacos, para os autores podem ser divididas em:
- Laxantes “Bulk” (aumentam o volume) ou hidrofílicos: Psyllium (isphagula), metilcelulose, farelo, celandine, derivados de plantas e aloé verá.
- Surfactantes ou amolecedores ou agentes ?wetting? (que molham): docusate. Poloxalcol.
- Laxantes osmóticos: lactulose, sorbitol, leite de magnésio (MOM) (Hidróxido de magnésio), polietileno glicol (PEG).
- Estimulantes peristálticos, às vezes apresentados como laxantes irritativos: sene, bisacodyl, danthron, cascara, eritromicina e misoprostrol.
- Outros (procinéticos, pró secretores): colchicina, tegaserod.
Níveis de evidência:
- Boa Evidência: Resultados consistentes, em termos de bom desenho do estudo e boa condução dos mesmos.
- Razoável evidência: os resultados mostram benefício, mas são limitados pelo número, qualidade ou consistência dos estudos individuais.
- Evidência fraca: Insuficientes pela limitação do número ou força dos estudos, falhas no seu desenho ou condução.
Classificação sobre a recomendação dos fármacos:
- Nível A: Evidência boa, no seu uso do tratamento da obstipação.
- Nível B: Evidência moderada, no seu uso do tratamento da obstipação.
- Nível C: Evidência pobre, que apoie a recomendação do uso ou não do tratamento.
- Nível D: Evidência moderada que desaconselha o usos do tratamento.
- Nível E: Evidência elevada que desaconselha o uso do tratamento.
Resultados:
Em termos de boa evidência, nível A, o polietileno glicol (PEG) e o tegaserod mostram-se como os produtos com critérios para este grupo. A lactulose e o psyllium têm um grau de evidência moderado (grau B) que suportem o seu uso. Verifica-se uma escassez de dados de estudos de qualidade que suportem muitos dos produtos comummente utilizados no tratamento da obstipação.
Em termos de discussão, os autores defendem que sem estudos com grupos de controlo com placebos, é impossível avaliar a eficácia de um produto. Para além disso, a generalidade dos estudos recorreram a amostras pequenas.
Outra das limitações, tem a ver com a definição de obstipação, que varia muito de estudo para estudo, sendo que muito poucos recorreram a critérios consensuais, como sejam os critérios de Roma.
A frequência das dejeções e a quantidade foram os parâmetros mais frequentemente utilizados nos estudos. Outros critérios, como a facilidade em evacuar, o peso, a quantidade de água nas fezes e os tempos de trânsito intestinal, foram utilizados nalguns estudos.
Verifica-se ainda, que os restantes produtos estudados apresentam grau C, em termos de recomendação no uso da obstipação.
Conclusões
- A obstipação é um problema comum, com um vasto leque de produtos usados no seu tratamento;
- Muitas das recomendações decorrem de evidências obtidas nos estudos;
- Contudo, tem sido apresentada uma meta análise das drogas usadas no tratamento da obstipação, sem que uma revisão sistemática da qualidade ou número dos estudos clínicos ou uma avaliação da prática clínica da segurança e eficácia tenha tido lugar;
- O estudo pretende servir para esclarecer os clínicos, sobre a evidência clínica dos diferentes produtos comummente utilizados no tratamento da obstipação, assim como servir de guia na seleção dos melhores agentes;
- O estudo mostra que existe uma fraca evidência que suporte o uso da maioria dos produtos habitualmente utilizados no tratamento da obstipação.
Alguns resultados específicos:
Num estudo multicêntrico randomizado, que comparou a lactulose ao PEG, verificou-se que a lactulose provocava significativamente mais flatulência, com uma tendência maior para o timpanismo e dor abdominal.
O PEG e a lactulose não apresentaram alterações electrolíticas relevantes em vários estudos.
O leite de magnésio, em comparação com os laxantes bulk, aparentemente incrementa o peristaltismo, sendo a necessidade de acrescentar outros laxantes menos frequente dos que no caso dos “bulk”. Segundo os autores o problema da hiper magnesémia deve ser considerado no caso dos doentes insuficientes renais, pois paradoxalmente, esta situação poderá conduzir a um quadro de íleo paralítico.
Num estudo comparativo entre a lactulose e o Agiolax (psyllium + sene), concluiu que a prevalência de perda de fezes é maior com o segundo, sendo que a necessidade de aumentar a dose recomendada é também menos frequente.
José Miguel Tavares
RESUMO EM PDFAutores: Jacobs LG, Bonuck K, Burton W, Mulvihill M.
Referência: Journal of Pain and Symptom Management 24 (3). 2002; p. 291-298
País: EUA
Participantes: 30 médicos e enfermeiras, 31 familiares
Desenho do Estudo: Qualitativo (Focus Groups + Entrevistas (61); Pesquisa Documental
Limitações do Estudo: Não refere o n.º preciso de enfermeiras que participaram
Objetivos: Caracterizar a qualidade dos cuidados prestados aos doentes em fim de vida e identificar os elementos que contribuem para essa qualidade de cuidados.
Resumo
O presente artigo apresenta uma investigação realizada no Montefiore Medical Center, nos Estados Unidos, cuja finalidade última era a de implementar um programa de otimização dos cuidados em fim de vida. Para isso os investigadores procuraram através de multitécnicas, recolher o máximo de informação para que os profissionais caracterizassem a qualidade dos cuidados que prestavam aos doentes em fim-de-vida, identificando os elementos da “cultura institucional” que contribuam para a “melhor” ou “pior” prática de cuidados.
Fizeram-no através da pesquisa no processo clínico de 61 doentes falecidos; 3 reuniões de Focus Group, no todo com 30 participantes, médicos e enfermeiros de diferentes serviços, e entrevistas a familiares de doentes que tinham morrido em internamento, num total de 31.
Os médicos foram selecionados por terem tido a cargo um grande número dos doentes que morreram e, outros, por enfermeiros, pelo método Delphi em função do “exemplo de melhor prática” nos cuidado em fim de vida. A seleção dos enfermeiros foi feita por trabalharem em Serviços, de Medicina e Unidade de Cuidados Intensivos, onde a mortalidade era a mais alta.
Apresentamos de seguida, e de modo sumário, os principais resultados:
Nas discussões em Focus Group foram identificados alguns OBSTÁCULOS à “melhor” prática de cuidados aos doentes em fim de vida:
- desconforto que as discussões com doente e família sobre assuntos e cuidados em fim-de-vida lhes criavam
- a sensação de fracasso quando o tratamento curativo era descontinuado
- falta de tempo para discutir as decisões terapêuticas
- a falta de metas no tratamento e os constrangimentos éticos e legais na manutenção ou suspensão de intervenções
- os incentivos financeiros para manter medidas que prolongassem a vida
- a falta de comunicação com doente e família, acerca do diagnóstico e prognóstico, desde a fase inicial da doença
- a insistência da família para prolongar as medidas curativas.
Os registos nos processos clínicos permitiram concluir que
- 75% dos casos estava diagnosticado o “mau prognóstico”, mas as medidas para prolongar a vida estiveram quase sempre presentes nas últimas 24h de vida
- Os doentes eram, na maioria, idosos, com patologia crónica, dependentes, com dificuldade de ingestão, incontinência, alterações do estado de consciência, com poucas capacidades em tomar parte das decisões.
Nas entrevistas com os familiares estes
- mostravam-se mais satisfeitos com os aspetos físicos dos cuidados ao doente do que com o conforto emocional proporcionado
- consideravam a comunicação inadequada, com pouca informação quanto à condição clínica e prognóstico do doente e gostariam de ter sido mais envolvidos no processo de decisão clínica
- preferiam que tivesse sido aliviada a dor, do que prolongar-se a vida a todo o custo, mas deixam sempre esta decisão à função do médico
O autor estabelece comparações entre os obstáculos e as oportunidades para uma “melhor” qualidade de cuidados aos doentes em fim de vida:
Comparações
Barreiras Institucionais no “melhor” Cuidado em Fim de Vida:
Ausência de guidelines e de metas comuns
Falta de autonomia do médico para lidar com a morte e comunicar más notícias
Pobre relação e comunicação médico-doente
Inexperiência no controlo de sintomas
Baixa compreensão para assuntos éticos e legais
Incentivos financeiros para medidas “curativas”
Não planeamento da ação face ao mau prognóstico
Oportunidades Institucionais para o “melhor” Cuidado em Fim de Vida
Incentivar o apoio emocional a doentes e familiares
Preparação para a perda
Melhoria da comunicação na equipa, com doentes e familiares
Melhoria no controlo de sintomas
Assistente para assuntos legais
Discussão e Comentário
Este artigo toma particular relevância por diferentes motivos. O autor concluiu que as decisões médicas e a prática de cuidados a doentes em estado terminal são influenciadas pelas relações médico-doente-família, mas também pela de outros profissionais e pela “cultura” institucional.
Embora seja relativamente fácil para qualquer um de nós fazer estabelecer estas conclusões e fazer o recenseamento dos fatores identificados, a pertinência do estudo recai precisamente no facto de o autor colocar em evidência e demonstrar cientificamente os fatores que influenciam (positiva e negativamente) a prática de cuidados, bem como identificar quais as oportunidades de melhoria, naquele contexto preciso.
Deste modo, a mais-valia do estudo prende-se com a sua finalidade última, conhecer a perspetiva dos atores envolvidos, e a seguir implicá-los e comprometê-los na mudança de atitudes e na implementação de um programa de melhoria dos cuidados, objetivados na maior qualidade de vida possível para estes doentes.
Este constitui um caminho possível para operar a mudança que todos almejamos.
Paula Sapeta
Prof. Coordenadora na Escola Superior de Saúde Dr. Lopes Dias, Castelo Branco.
Membro da Direcção da Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos.
Título: “Home-based support for palliative care families; challenges and recommendations”
Autor: Peter Hudson
Revista: MJA (2003);179:S35-S37
Resumo
O artigo faz um resumo da importância do apoio aos cuidadores informais na prestação de Cuidados Paliativos no domicílio, as dificuldades e necessidades daqueles. Apresenta recomendações-chave para o melhoramento no apoio aos cuidadores informais e lança desafios para a sua otimização.
Dados que caracterizavam os cuidadores familiares, num estudo anterior realizado pelo Autor na área metropolitana da Austrália, vão de encontro aos resultados de outros e relevando o grande empenho necessário para assumir este papel. As dificuldades/necessidades prendem-se com factores económicos, psicológicos, sociais e outros.
O papel dos prestadores de cuidados informais no domicílio sofreu alterações que muitas vezes implicam o assumir de tarefas mais complexas tais como administração de terapêutica, controlo de sintomas, apoio emocional; 1
O nível de responsabilidade dos cuidadores familiares depende das necessidades físicas, psicossociais do doente e da dinâmica das relações. 2
Deste modo as dificuldades/necessidades dos cuidadores informais podem ser acentuados por sobrecargas sociais tais como restrições à organização do tempo pessoal, perturbação das rotinas e diminuição do tempo livre.
O Autor alerta para um potencial de conflito e menor capacidade de cumprimento do seu papel quando o cuidador assume múltiplas responsabilidades e esquece as suas próprias necessidades em favor do doente.
Atendendo que os cuidadores familiares têm um papel central no bem-estar da pessoa com doença terminal, é de extrema importância reconhecer, satisfazer e validar as suas necessidades e vivências. 3
De acordo com Hudson os benefícios dos Cuidados Paliativos em casa incluem a sensação de normalidade, autonomia e conforto.
O Autor destaca ainda que um estudo dos fatores associados aos cuidados domiciliários e ao morrer em casa revelou ser este um resultado mais provável se o doente era do sexo masculino.
Outros factores identificados incluíram: ter recursos financeiros, ter cancro ou Sida, ter um cuidador saudável a tempo inteiro, não viver sozinho, ter necessidades possíveis de serem geridas em casa e ter expressado a preferência de morrer em casa. 4
Uma meta-análise demonstrou vantagens para os doentes e cuidadores em receber suporte de equipas de cuidados paliativos atendendo que cuidar de um familiar que está a morrer pode ser prejudicial para a qualidade de vida da família.
Vários estudos têm-se debruçado sobre as necessidades dos cuidadores familiares as quais continuam a não ser respondidas, como tal o ponto-chave é “Uma abordagem de cuidados paliativos centrados na família”.
Seguem-se algumas das recomendações gerais que servem de orientação para os profissionais de saúde de forma a melhorar os cuidados paliativos centrados na família.
Recomendações chave para melhoramento dos cuidados paliativos centrados na família
Autora do resumo
Enf.ª Lucinda Marques
Unidade de Cuidados Paliativos Hospital da Luz
Título: Empathy and Patient-Physician Conflicts
Autor: Jodi Halpern
Revista: Journal of General Internal Medicine 22: 696-700, 2007
Resumo
Neste artigo é feita uma revisão da pouca literatura existente acerca do modo como os médicos empatizam com doentes durante conflitos que evocam a sua própria revolta ou sentimentos negativos. O objetivo da autora é sugerir algumas perícias que poderão ser utilizadas nestes casos.
O termo conflito é usado de uma forma mais abrangente e inclui aquelas situações, com disputa de papéis, por parte dos médicos, por terem sentimentos negativos em relação aos seus doentes.
A empatia é definida como a demonstração de curiosidade relativa à perspetiva emocional do outro. Em conflitos com doentes, em especial se ambas as partes se encontram revoltadas, sentir empatia pode apresentar-se como um desafio, mas também uma necessidade, pelo que, neste artigo são descritos cinco modos para ultrapassar esta barreira.
Anteriormente descrito na literatura como necessário para se ser objetivo e evitar o “burnout”, a atitude de afastamento emocional, começa agora a ser substituída pelo envolvimento emocional.
Evidência recente demonstra que, médicos que se envolvem emocionalmente, têm uma eficácia terapêutica superior, já que geram sentimentos de confiança conduzindo o doente a melhorar a sua aderência ao tratamento. Estes médicos irão comunicar de uma forma mais eficaz diminuindo a ansiedade no doente e melhorando o “coping” deste, conduzindo a melhores resultados finais.
Simpatia e preocupação não parecem ser suficientes já que estas envolvem sentimentos e não reconhecimento e compreensão, pelo que o médico poderá colocar-se numa posição defensiva perante sentimentos de raiva e frustração por parte do doente, o que poderá, em última instância, aumentar do conflito. É por isso necessário, para além da espontânea simpatia inicial, um processo consciente de cultivar curiosidade acerca da perspetiva pessoal do doente relativamente à sua situação atual. Por este motivo, é fundamental a distinção entre simpatia e empatia, já que a última leva a que a pessoa compreenda o outro ponto de vista, enquanto a simpatia poderá até ofuscar estas diferenças.
É defendido neste artigo que a empatia é algo que se pode treinar, pelo que são sugeridas cinco perícias para cultivar o demonstrar de curiosidade sobre sentimentos negativos, tanto dos próprios como dos do doente:
- Reconhecimento das próprias emoções em tempo real é o primeiro passo para que o médico se aperceba apuradamente dos seus próprios sentimentos. Com isto é possível reduzir erros, melhorar o processo de tomada de decisão e resolver o conflito. Ao serem reconhecidas as próprias emoções negativas torna-se possível procurar ativamente mais informação acerca da situação;
- Reflexão acerca das emoções negativas é o segundo passo para que o médico se torne curioso acerca do significado dos sentimentos negativos próprios e dos seus doentes. É considerado como chave na prática clínica o processo de contra transferência que ocorre, ao utilizar as pistas que os próprios sentimentos dão ao médico na interpretação dos sentimentos do doente;
- Atenção a mensagens emocionais no relato de um doente compreende a procura deliberada de preocupações emocionais que possam estar embebidas ou até escondidas na história contada pelo doente. A pesquisa demonstra que os médicos perdem muitas vezes oportunidades de empatizar ao restringirem a sua atenção aos factos em vez de aos significados emocionais das palavras do doente;
- Atenção à comunicação não verbal. Os doentes antes de qualquer outra coisa dão pistas não verbais de que têm algo importante para dizer, pelo que, o prestar atenção a estes indícios é apresentar também uma comunicação não verbal apropriada. Ao serem ajustados gestos, pausas, tom de voz e distância interpessoas em sintonia com os do doente poderão aumentar a satisfação do mesmo e os resultados;
- Aceitação de feedback negativo é essencial para que o médico demonstre empatia durante conflitos. Ao aceitar criticismo sem adoptar uma postura defensiva abre a porta à empatia, permitindo ao doente partilhar sentimentos difíceis que se encontram por baixo dos sentimentos revolta. Ao aceitar culpa e oferecer um pedido de desculpas, quando apropriado, pode aumentar a satisfação do doente bem como diminuir a sua revolta.
Com este artigo, a autora advoga o cultivar de uma curiosidade positiva quando conflitos e emoções negativas ameaçam pôr em risco a relação médico-doente.
Comentário
Diariamente assistimos em cuidados paliativos, seja em contexto hospitalar ou domiciliário, a sentimentos de frustração, revolta e negatividade por parte não só dos doentes como também dos seus familiares. Apesar deste artigo se referir unicamente à relação médico-doente, as sugestões dadas para que se possa melhorar esta relação podem facilmente ser extrapoladas para a relação com a família e pessoas significativas, bem como ser utilizadas não só pelo médico, como por todos aqueles que todos os dias prestam cuidados a estes doentes.
Numa altura em que assistimos a um incremento da valorização das relações humanas e da sua importância em cuidados paliativos, e sabendo que nem sempre é fácil ultrapassar conflitos com doentes ou familiares, este artigo oferece-nos valiosos instrumentos para melhor lidarmos com estas situações e conseguirmos compreender os sentimentos de negatividade e revolta apresentados através de um comportamento empático.
Enf.ª Cristina Moreira
Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos
Hospital da Luz
Título: Current Approaches to Helping Children Cope with a Parent?s Terminal Illness
Autores: Grace E. Christ e Adolph E. Christ
Revista: CA Cancer J Clin 2006; 56; 197-212
Resumo
O artigo em questão faz uma revisão e sistematização das características do desenvolvimento que mais influenciam a comunicação e a integração da informação em crianças de vários níveis etários, quando um dos pais tem uma doença terminal.
Apresenta também estratégias concretas para que os pais e os profissionais de saúde lidem com a situação e ajudem as crianças a fazer o mesmo. Estas conclusões surgiram de um estudo do Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, que acompanhou crianças de famílias nas quais um dos pais tinha uma doença crónica em estado terminal.
Segundo os autores, as inconsistências que se podem observar ao longo da literatura nesta área devem-se fundamentalmente às diferenças existentes entre as amostras dos vários estudos. Assim, hipotetizando que existem variáveis, como a presença de dificuldades económicas ou de problemas familiares prévios, que influenciariam o nível de adaptabilidade e as estratégias de “coping” utilizadas pelas crianças, o estudo em causa escolheu apenas crianças que, aparentemente, não teriam outros factores geradores de “stress” e de depressão.
Esta escolha pretendeu isolar as variáveis relativas ao nível de desenvolvimento emocional e cognitivo, para que as estratégias pudessem ser construídas e usadas para serem aplicadas na generalidade dos casos. Para além disto, o estudo prolongou-se até 14 meses após a data da morte, de forma a observar as consequências a longo prazo da ocorrência dum período desta natureza na vida das crianças.
Foram definidos 3 grupos etários – o primeiro entre os 3 e os 5 anos, o segundo entre os 6 e os 8 anos e o terceiro entre os 9 e os 11 anos, tendo sido recolhidos os dados junto de 87 crianças. A análise realizada teve como objetivo o desenvolvimento de abordagens que ajudassem as crianças a gerir melhor as situações que ocorreram durante a fase terminal da doença do progenitor.
Estas abordagens recebem informações de três áreas de investigação:
- Fatores de risco e de proteção que medeiam a capacidade de “coping” da criança;
- Intervenções realizadas durante o período terminal da doença;
- Nível de desenvolvimento da criança, de forma a aumentar a especificidade e precisão dos resultados e das estratégias criadas.
O interesse maior destas investigações reside no estudo de potenciais relações entre o luto infantil e perturbações psicológicas e/ou psiquiátricas na idade adulta e, embora não haja a presença duma relação direta, existem conclusões acerca da presença de variáveis moderadoras, tais como a qualidade dos cuidados parentais e a presença de outras adversidades sociais e psicológicas no período pré e pós a morte do progenitor.
A abertura do diálogo e a partilha de informação sobre a doença e sobre a morte foram também duas variáveis que surgiram como importantes nas conclusões deste tipo de estudos, para além da dificuldade, por vezes presente nos adultos, de entender que as crianças têm formas diferentes de expressar o seu sofrimento e a sua preocupação.
Um dos aspetos sobre o qual o estudo se debruçou foi o das visitas ao progenitor internado. É normal que os pais tenham dificuldades em lidar com as visitas das crianças ao hospital, mas é importante que os profissionais de saúde acompanhem estes casais e exponham as vantagens de tais visitas: diminuem as ideias de rejeição que a criança possa ter e envolvem-na na situação, criando muitas vezes situações positivas no seio da família.
Com o acompanhamento das famílias após a morte, os autores apontam as vantagens do apoio de outros adultos e das crianças frequentarem grupos e atividades de apoio. Uma conclusão comum a todos os grupos analisados é que a presença dum nível de sofrimento contínuo não é normal, pelo facto já referido de que as crianças sentem e expressam a sua dor de formas diferentes dos adultos.
Para falar com as crianças do primeiro grupo etário, é necessário ter em conta que as suas limitações cognitivas ainda são algumas. É normal não entenderem o significado da doença e não terem a consciência da permanência da morte, o que traz alguns desafios ao nível da comunicação, sendo que também esta apresenta algumas limitações (poucos conceitos conhecidos e significados interiorizados).
Estando ainda muito presente o egocentrismo infantil, o principal sintoma é a ansiedade de separação e têm muita dificuldade, pelas razões referidas acima, em compreender as reações de dor e sofrimento dos cuidadores.
Apesar de tudo, é sempre fundamental apresentar explicações à criança, para que vá tomando consciência do que se passa. Após a morte, às questões repetitivas que poderão manter-se durante semanas, deverão ser fornecidas respostas simples e concretas e ser entendido, pelos adultos, que os momentos de brincadeira são normais e importantes para estas crianças.
No grupo dos 6 aos 8 anos, existem já as noções da permanência e da universalidade da morte, embora ainda com algumas limitações cognitivas. A presença do pensamento mágico faz com que possam estar presentes ideias de culpa e de responsabilidade relativamente à doença.
Como não conseguem ainda conceptualizar a origem do pensamento é difícil rever erros lógicos, especialmente os relacionados com a causalidade. Por isto, é importante manter um fluxo constante de informação simples e concreta sobre sintomas, comportamentos e tratamentos, evitando que as crianças recebam informação indiretamente, por exemplo ouvindo conversas alheias, e se antecipem perguntas.
Por já existir uma maior compreensão do que acontece, os sintomas após a morte tendem a ser mais marcados, podendo estar presentes os medos nocturnos e as regressões comportamentais.
Nestas idades já se notam as influências quer de outros adultos, particularmente dos professores, quer dos colegas, que nestas situações podem trazer vários benefícios à família e à criança em particular.
Quanto ao último grupo que foi definido, as características cognitivas e emocionais das crianças que dele fazem parte exigem que as explicações apresentadas sejam já mais detalhadas, embora tenham ainda de ser bastante concretas. Este tipo de explicação aumenta o sentimento de controlo que as crianças têm da situação, o que as ajuda a lidar com a mesma.
É também importante passar a ideia de que todos os envolvidos estão sob os mesmos sintomas de ansiedade, para que a criança se sinta integrada. Muitas vezes, o envolvimento deste nível etário passa pelo "ajudar a cuidar", que deve ser supervisionado, mas que demonstra ter efeitos positivos a nível psicológico. É neste grupo que as crianças começam a antecipar a morte e a dor que a mesma trará, o que pode levar muitas vezes ao evitamento das emoções, embora sejam também comuns os descontrolos emocionais. É necessário validar e apoiar estes momentos de descontrolo, especialmente porque costumam gerar sentimentos de embaraço e de evitamento, alimentando depois uma má gestão das emoções. Devido à sua capacidade de antecipação é junto destas crianças que as visitas finais, ou o período terminal da doença, ganham maior destaque e as despedidas, sejam orais, escritas ou de qualquer outra natureza, se tornam marcos importantes deste período da vida familiar.
Comentário
A mais-valia deste artigo, para os profissionais de saúde, é o facto de fornecer estratégias concretas sobre a comunicação com as crianças. É normal que todos os profissionais sejam interpelados pelas famílias sobre a melhor forma de falar com os filhos, especialmente porque em Portugal não é usual que estes momentos mais difíceis sejam partilhados com as crianças.
O facto de apresentar provas de que o envolvimento das mesmas traz benefícios para o seu desenvolvimento permite fundamentar uma reflexão sobre a evolução que as estratégias de comunicação usadas por todos os que trabalham na área dos cuidados paliativos devem levar a cabo, para podermos prestar a todas as pessoas que acompanhamos as melhores respostas às suas necessidades.
Cristina Rodrigues
Psicóloga da Unidade de Cuidados Paliativos
Hospital da Luz
Titulo: “The Influence of Awareness of Terminal Condition on Spiritual Well-Being in Terminal Cancer Patient”
Tema: Espiritual
Autores: Leung K.K., Chiu T.Y. e Chen C.Y.
Revista: Journal of Pain and Symptom Management. Vol. 31 Nº 5 May 2006, 449- 456.
Resumo
O artigo descreve um estudo realizado em doentes com doença avançada e progressiva relacionando o conhecimento ou não da sua condição de doença terminal com o bem-estar espiritual.
Nos países Ocidentais é mais comum a comunicação de más noticias e a discussão com o utente sobre tratamento e prognóstico do que nos países Orientais.
Apesar de já em 1990, se ter iniciado o movimento dos cuidados paliativos e hospícios em Taiwan, a família é, ainda, quem recebe a informação e toma as decisões, pois acredita-se que saber o diagnóstico e o prognóstico diminuem a esperança e apressará a morte. A investigação demonstra que a consciência de ter uma doença terminal não leva a perturbações psicológicas, mas sim o facto de o descobrir de uma forma solitária e sem acompanhamento.
Os autores definem espiritualidade como a conexão transcendental com o Universo e a procura de um sentido na vida, relacionada ou não com uma figura divina. A religiosidade é definida como a conceção e organização de crenças, rituais e práticas desenvolvidas com o objetivo de conexão com um poder superior, com Deus.
Reconhecendo as dificuldades dos profissionais de saúde em avaliar e reconhecer as necessidades espirituais e religiosas, foi utilizado o modelo de Kellerhear das necessidades espirituais (anexo I), o qual é construído sobre 3 dimensões:
- Necessidades situacionais: surgem das experiências pessoais e sociais no contexto da doença, já que é preciso encontrar significado na doença, procurando nesta experiência alguma conexão transcendental;
- Necessidades morais e biográficas: incluem encontrar paz e reconciliação, resolver problemas do passado, análise do percurso e procura do perdão;
- Necessidades religiosas: reconciliação, suporte e perdão divino, prática de ritos, leituras, discussão sobre Deus, sobre a esperança e a vida Eterna.
Os autores opinam que este modelo é compatível e aplicável na cultura chinesa.
Foram estudados 37 doentes terminais com cancro e suas famílias, internados em 3 Hospícios de Taipei entre janeiro e julho de 2004, tomados a cargo por uma equipa multiprofissional, que incluía capelão.
Foi desenvolvido um instrumento denominado “Spiritual Transcendence Measure” (STM), com 22 perguntas, pontuando-as de 1 (maior insatisfação) a 5 (maior satisfação) baseando-se na pesquisa e no modelo já referido. Quanto maior a pontuação, maior era o bem-estar espiritual. Definiram previamente os conceitos de consciência de doença terminal, não consciência; aceitar plenamente a morte, aceitar parcialmente, não aceitar em absoluto; expetativas em relação aos cuidados ao serem admitidos na Unidade de Cuidados Paliativos; ter o testamento completamente preparado, apenas parcialmente ou nada em absoluto.
Os dados foram tratados com SPSS/PC versão 11.0, e cruzadas as variáveis e as categorias com os testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis. O estudo também foi submetido a avaliação das propriedades psicométricas.
Dos inquiridos a maior parte era de sexo masculino, maior de 65 anos, com educação secundária e universitária e de religião budista. Os cuidadores principais eram principalmente esposas de meia-idade com educação superior e também budistas. Em relação ao bem-estar espiritual não se encontraram diferenças entre idade, género, nível de estudos ou religião do próprio ou dos familiares. Dos 37, 12 sabiam da condição de doença terminal, 19 aceitavam completamente a morte, 24 esperavam receber cuidados paliativos e controlo de sintomas e 19 tinham escrito o seu testamento. Havia relação entre a consciência de doença terminal, o ter o testamento escrito e maior aceitação da morte em relação aos que não tinham consciência da doença terminal, obtendo os primeiros, também, uma maior pontuação nas três dimensões da STM. Da mesma maneira, aqueles que aceitavam a morte tinham maior pontuação na dimensão situacional e religiosa, sobre os que só aceitavam parcialmente ou não a aceitavam. Aqueles que já tinham o testamento feito tinham maior pontuação apenas na dimensão situacional.
Este é o primeiro estudo que demonstra o conhecimento empírico em relação a estas questões sobre o bem-estar espiritual e os outros fatores, e tem uma base teórica segura, separando a dimensão religiosa das outras duas dimensões que interferem no bem-estar espiritual, fazendo uma abordagem multidimensional.
Ao confrontar-se com a sua mortalidade as pessoas reavaliam a sua vida e as necessidades espirituais sobrepõem-se às físicas. Sendo a esperança uma necessidade nesta fase, o saber da terminalidade da doença pode ajudar o doente a focalizar-se no ser em vez de no fazer, assim como em explorar a sua relação e as suas crenças com Deus e da vida para além da morte.
Saber da condição de terminalidade pode ser uma oportunidade para resolver estes aspetos e o conhecimento deste fator pode contribuir para mudar a atitude dos profissionais na hora de comunicar o prognóstico. Por outro lado, para os doentes que não tenham prazer na vida, o saber que a morte está próxima poderá ser sentido como um alívio.
Como limitações referiram:
- utilização de respostas imediatas em vez de entrevistas;
- a amostra escolhida poder não ser representativa dos doentes terminais, já que poderá ter incluído doentes com maior nível de bem-estar espiritual e maior satisfação devido aos cuidados oferecidos;
- existirem fatores de confusão na relação entre o dizer verdade e o bem-estar espiritual, já que aqueles doentes que tinham maior aceitação da morte teriam maior capacidade para receber más noticias, e mais facilmente sentiriam bem-estar espiritual.
No entanto, os resultados são fiáveis e elucidativos, realçando que o doente não só tem necessidade de saber o diagnóstico, como também de saber o prognóstico, e se for o caso de doença terminal o ter oportunidade de preparar-se para a sua morte. Sabendo que as crenças religiosas são uma dimensão do bem-estar espiritual, com importantes efeitos sobre esta, emerge a necessidade de ministros religiosos formarem parte da equipa que presta cuidados a doentes terminais.
Comentário
Apesar de nos encontrarmos num país Ocidental, a cultura em relação à discussão do diagnóstico e prognóstico continua a ser mais parecida com a que este artigo descreve. Não sendo a religião a mesma, fica claro que estão relacionadas com a espiritualidade e que esta a supera, pelo que podemos integrar os resultados deste estudo na nossa prática diária. O alívio do sofrimento passa por uma avaliação e atendimento globais, onde as necessidades espirituais não devem ser esquecidas ou ignoradas ao serem confundidas com a simples prática religiosa, ou pela inexistência de instrumentos para as avaliar e medir. Aqui fica um contributo.
Maria del Carmen López Aparício
Enfermeira Responsável da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz
ANEXO I
STM- Spirituality Transcendence Measure
Situacional
Resolve a confusão e ansiedade sobre a morte
Tem suporte da família
Atinge últimos objetivos ou desejos com ajuda da família ou dos profissionais
Tem controlo e escolha do que quer fazer
Respeito da família e dos amigos
Percebe a morte como parte natural da vida
Moral e biográfico
Tem acesso a suporte espiritual
Resolve problemas não resolvidos
Põe em ordem questões espirituais
Está aberto a outras direções da vida
Compensado dos sentimentos de culpa
Tranquilidade em relação à proximidade da morte
Despede-se antes de morrer
Preparado para fazer frente à morte
Religioso
Acredita na vida depois da morte
Recebe ajuda da instituição religiosa
A crença na vida depois da morte reduz a ansiedade relacionada com a morte
Cumpre rituais religiosos
Recompensa-lhe a prática religiosa
Pacifica-lhe a prática religiosa
Tema: Organização de Serviços
Artigo: “Criteria for successful multiprofissional cooperation in palliativecare teams”
Autores: Junger S, Pestinger M, Elsner F, Krumm N, Radbruch L. Palliative Medicine 2007;21:347-354
Introdução
O trabalho em equipa é um dos pilares fundamentais dos cuidados paliativos(CP). Na revisão da literatura não há uma explicação linear e simples para justificar o sucesso das equipas multidisciplinares, uma vez que nas novas equipas que se formam apresentam-se diversos desafios, estabelecem-se relações com novos colegas, o trabalho tem uma componente emocional elevada e o campo de atuação nem sempre tem padrões definidos.
Neste trabalho, pretende-se teorizar os aspetos da dinâmica das equipas multidisciplinares, assumindo inter-relações recíprocas entre as diferentes variáveis.
Autora
Maria Teresa Flor de Lima
Aluna do IV Mestrado de Cuidados Paliativos da Faculdade de Medicina de Lisboa
(Anestesiologista, Coordenadora da Unidade de Dor)
Hospital do Divino Espírito Santo,
Av. D. Manuel I, 9500-370 Ponta Delgada
Telefone 296 203489
e-mail: flordelima.mariateresa@gmail.com
Autor: SUNG-SUK HAN (Corea)
Revista: Dolentium Hominum. Iglesia y salud en el mundo. Roma: Editrice Velar. 65:2 (2007) 28-32.
Introdução
O respeito inalienável pela vida humana em qualquer etapa é dos valores fundamentais que deverão ser salvaguardados pelos enfermeiros. Este imperativo ético torna-se mais evidente quando estamos diante de pessoas vulneráveis como são os doentes que se encontram na fase terminal. Urge por parte de todos os profissionais o desenvolvimento de uma consciência ética que permita um processo de tomada de decisão certo. Os conflitos éticos surgem inúmeras vezes no cumprimento das medidas assistenciais interrelacionadas. Aos enfermeiros pedem-se-lhes que realizem escolhas em áreas de responsabilidade partilhada. Segundo esta autora, algumas escolhas provocam grande confusão moral nos enfermeiros, sobretudo quando os médicos prescrevem determinadas intervenções e os enfermeiros têm de as executar sem que o seu juízo seja discutido. Em qualquer processo de tomada de decisão, mais ou menos consensual, existem perguntas que deverão orientar o agir de qualquer enfermeiro: Estamos a fazer o bem a esta pessoa e à a sua família? Isto é o que deseja esta pessoa?
Princípios éticos:
I) Fazer o bem, proporcionar um benefício
Fazer o bem aos demais implica ser virtuosos e estender estas virtudes aos demais. Quando a vida está a chegar ao seu termo, o benefício manifesta-se através de uma escuta atenta, no respeito do doente como pessoa, preocupando-se pelo seu bem-estar e tratando de aliviar sempre os seus sofrimentos.
Na proximidade da morte, o processo mais difícil de enfrentar, inúmeras vezes salientado pelos doentes é a dependência dos demais, a sua debilidade e o seu sofrimento.
Uma das tarefas principais da medicina no cuidado à pessoa em fim de vida é poder aliviar os seus sofrimentos através de uma gestão eficaz da dor em todas as suas formas, do controlo eficaz de outros sintomas e de proporcionar medidas de conforto de maneira que possam morrer serenamente, com dignidade e no lugar que desejam.
Sabemos de muitos medicamentos podem diminuir a dor mas muitas vezes não têm o poder de eliminá-la completamente. Só a presença humana discreta e atenta pode dar o alívio que necessita o doente, permitindo-lhe expressar os seus pensamentos e dando-lhes consolação humana e espiritual.
Portanto, na perspetiva da autora, para que a prática do enfermeiro comporte benefício para o doente requer força, para enfrentar os próprios temores. O medo de gerir analgésicos como a morfina e outros, o medo de falar sobre a morte, o medo de se confrontar com a sua própria fragilidade, o medo de expressar o que pensa sobre as diferentes intervenções ao doente e à família e o medo simplesmente de estar no silêncio... Tais medos fazem-nos incapazes de proporcionar benefício aos doentes.
II) Respeito pela autonomia
No geral, o respeito pela autonomia enquadra-se na esfera moral dos direitos do doente à autodeterminação. A autonomia está ligada estreitamente à noção de respeito pelas pessoas e é um princípio que considera que todos os indivíduos são membros únicos e precisos da sociedade. Autonomia significa que cada pessoa tem a liberdade de tomar decisões que estejam de acordo com os seus objetivos pessoais. É a condição em que cada um de nós é livre em escolher e de pôr em prática as suas decisões, apoiado por vínculos, restrições ou coação.
O Código de Ética do ICN de 2001 (International Council of Nurses) afirma: “O enfermeiro deve estar seguro que a pessoa recebe suficientes informações, de conformidade com as quais dará o consentimento aos cuidados e ao tratamento do caso”. O enfermeiro tem o dever de fornecer informações detalhadas aos doentes, proporcionando informações precisas, que permitam a decisão livre e esclarecida sobre os seus cuidados médicos e de enfermagem.
Desafios no respeito da autonomia do doente no fim da vida
Para que uma pessoa atue de forma autónoma, deve receber informações verdadeiras, estar livre de influências que possam ter certo controlo sobre ela, e possuir a capacidade de tomar decisões ponderadas.
São muitos os desafios subjacentes no fim da vida que colocam dilemas éticos aos enfermeiros e aos demais profissionais de saúde. Ditos desafios compreendem a verdade, o consentimento informado, a capacidade de decidir, a falta de condescendência, as tentativas de planificação e de delegação para tomar decisões.
Não obstante estes desafios, os enfermeiros deveriam ter um papel ativo para promover a autonomia no fim da vida. No que respeita à verdade salienta-se a verdade sobre a doença e sobre o prognóstico que sempre foi um elemento de incerteza.
É comum que os profissionais revelem informações incompletas, enquanto sublinham os aspetos positivos. Sem informações completas, que incluam também as condições terminais, os doentes não têm condições de tomar decisões sobre os últimos dias da sua vida. Dizer a verdade ao doente e sua família não é necessariamente dizer tudo, mas dizer o que é realmente necessário para que possa haver o consentimento informado.
As orientações referentes ao consentimento informado têm duas dimensões: a primeira da parte do médico, em que se espera informação sobre o diagnóstico exato, o prognóstico, a possibilidade de tratamento, os riscos e os benefícios, e as consequências que podem derivar da aceitação ou da recusa da terapia; a segunda por parte do doente, em que se deve avaliar a capacidade mental de entender estas informações e as consequências que derivam da aceitação ou da recusa da terapia.
Por conseguinte, o enfermeiro deve avaliar se o doente tem ou não a capacidade de tomar decisões sobre os tratamentos, incluindo a reanimação, a respiração artificial, a dieta, a transfusão, a diálise, a quimioterapia, as operações ou os antibióticos, as decisões referentes à recusa de dito tratamento deveriam tomar-se consultando os familiares e de todos que estão envolvidos no processo de atenção ao doente.
Para avaliar a capacidade de decisão é necessário perguntar-se:
- A pessoa, pode entender e comunicar as informações?
- A pessoa é capaz de decidir sobre a questão e sobre as razões da decisão?
- A pessoa pode identificar os valores e os objetivos pessoais?
III) Veracidade
Outro imperativo ético relacionado com a autonomia é de facto a veracidade. Dizer a verdade gera respeito, comunicação aberta, confiança e participação na responsabilidade. A veracidade é também subjacente à integridade do profissional e à honestidade. Estes princípios promovem-se em todos os códigos profissionais de ética de enfermagem.
Em suma, a autora enfatizou alguns princípios éticos inerentes à tomada de decisão ética nos cuidados de enfermagem ao doente em fim de vida. Trata-se uma reflexão que pode ajudar a fundamentar o nosso agir enquanto profissionais e a tomar a decisões certas do ponto de vista ético e deontológico.
Autora do resumo
Paula Carneiro
RESUMO EM PDFTítulo: Suffering with Advanced Cancer
Tema: Sofrimento
Autores: Wilson KJ, Chochinov HM, McPherson CJ, Le May K, Allard P, Chary S, Gagnon PR, Macmillan K, De Luca M, O?Shea F, Kuhl D, Fainsinger RL
Revista: J Clin Oncol 25:1691-1697,2007
Sofrimento é definido como estado de “distress” individual e subjetivo que surge da perceção da existência a uma ameaça à integridade física, social ou psicológica.
Objetivos
Avaliar se os doentes com doença oncológica incurável consideravam estar a sofrer e investigar as causas do sofrimento e correlações.
Métodos
População – Doentes consecutivamente vistos em oito Unidades de CP do Canadá, quer em consulta quer admitidos em internamento.
Critérios de inclusão
Capacidade física e cognitiva para responderem a entrevista; terem conhecimento de padecerem de doença oncológica incurável; esperança de vida inferior a 6 meses e que não estivessem numa “crise aguda”.
Abordados 921, recusaram 401, 115 faleceram ou o seu estado deteriorou-se, 24 começaram a entrevista mas não a concluíram. Donde 381 participantes (41%).
Estudo - Entrevistas face a face
- Structured Interview of Symptoms and Concerns – (presença, severidade e grau de “distress” de sintomas, preocupações sociais e existenciais, e questões de saúde mental;
- Items do “Prime-MD”, ansiedade e depressão que permitiriam a classificação segundo o DSM-IV;
- “Sente que está a sofrer?”(do you feel you are suffering?? Seguida de perguntas para caracterizar o sofrimento (frequência/intensidade/distress) e discussão com perguntas abertas para melhor caracterização do sofrimento e causas identificadas pelo doente. (Foi feita análise de conteúdo desta última parte da entrevista)
Comparados os doentes com sofrimento ausente ou ligeiro com aqueles de moderado a severo.
Resultados
49,3% consideraram não estar a sofrer, 24,9% consideraram estar a sofrer ligeiramente e 25,7% consideraram estar a sofrer significativamente. Estes diferiam por serem mais novos, com maior educação, PPS mais baixo, com maior percentagem com critérios diagnósticos para distúrbio depressivo e de ansiedade, maior número de sintomas e “preocupações” e maior nível de “distress” em cada item no SISC.
Correlações estatísticas com itens individuais: dor, fraqueza, depressão e ansiedade.
Na análise qualitativa os itens mais frequentemente citados foram a dor, a perda funcional, a dependência, o isolamento, o “stress” psicológico e a falta de autonomia. A dimensão física foi a mais vezes identificada.
Discussão
Apenas um quarto dos doentes com uma doença oncológica avançada e progressiva, seguidos por equipas de cuidados paliativos, disseram estar a sofrer de um modo significativo. Estudos anteriores têm obtido percentagens variáveis sobre a perceção de se estar em sofrimento.
Neste estudo foi encontrada uma prevalência baixa que pode ser devida: aos critérios de inclusão, ao grande nº de recusas em participar, ao estarem a ser seguidos por serviços de CP.
O componente físico foi identificado frequentemente para o sentido de sofrimento sendo a dor física a mais referida pelos doentes, (mas não nos estudos de correlação estatísticos).
Mais de metade dos doentes em sofrimento preenchiam critérios para S. depressivo e/ou ansiedade, não se podendo perceber se estes distúrbios eram causa ou consequência.
De salientar ainda que uma pergunta simples como a que foi feita permitiu colher muitos dados sobre o sofrimento como experiência multi-dimensional.
Madalena Feio
Médica
Unidade de Assistência Domiciliária do IPOLFG, E.P.E.
Título: Suffering with Advanced Cancer
Tema: Sofrimento
Autores: Wilson KJ, Chochinov HM, McPherson CJ, Le May K, Allard P, Chary S, Gagnon PR, Macmillan K, De Luca M, O?Shea F, Kuhl D, Fainsinger RL
Revista: J Clin Oncol 25:1691-1697,2007
Sofrimento é definido como estado de “distress” individual e subjetivo que surge da perceção da existência a uma ameaça à integridade física, social ou psicológica.
Objetivos
Avaliar se os doentes com doença oncológica incurável consideravam estar a sofrer e investigar as causas do sofrimento e correlações.
Métodos
População – Doentes consecutivamente vistos em oito Unidades de CP do Canadá, quer em consulta quer admitidos em internamento.
Critérios de inclusão
Capacidade física e cognitiva para responderem a entrevista; terem conhecimento de padecerem de doença oncológica incurável; esperança de vida inferior a 6 meses e que não estivessem numa “crise aguda”.
Abordados 921, recusaram 401, 115 faleceram ou o seu estado deteriorou-se, 24 começaram a entrevista mas não a concluíram. Donde 381 participantes (41%).
Estudo - Entrevistas face a face
- Structured Interview of Symptoms and Concerns – (presença, severidade e grau de “distress” de sintomas, preocupações sociais e existenciais, e questões de saúde mental;
- Items do “Prime-MD”, ansiedade e depressão que permitiriam a classificação segundo o DSM-IV;
- “Sente que está a sofrer?”(do you feel you are suffering?? Seguida de perguntas para caracterizar o sofrimento (frequência/intensidade/distress) e discussão com perguntas abertas para melhor caracterização do sofrimento e causas identificadas pelo doente. (Foi feita análise de conteúdo desta última parte da entrevista)
Comparados os doentes com sofrimento ausente ou ligeiro com aqueles de moderado a severo.
Resultados
49,3% consideraram não estar a sofrer, 24,9% consideraram estar a sofrer ligeiramente e 25,7% consideraram estar a sofrer significativamente. Estes diferiam por serem mais novos, com maior educação, PPS mais baixo, com maior percentagem com critérios diagnósticos para distúrbio depressivo e de ansiedade, maior número de sintomas e “preocupações” e maior nível de “distress” em cada item no SISC.
Correlações estatísticas com itens individuais: dor, fraqueza, depressão e ansiedade.
Na análise qualitativa os itens mais frequentemente citados foram a dor, a perda funcional, a dependência, o isolamento, o “stress” psicológico e a falta de autonomia. A dimensão física foi a mais vezes identificada.
Discussão
Apenas um quarto dos doentes com uma doença oncológica avançada e progressiva, seguidos por equipas de cuidados paliativos, disseram estar a sofrer de um modo significativo. Estudos anteriores têm obtido percentagens variáveis sobre a perceção de se estar em sofrimento.
Neste estudo foi encontrada uma prevalência baixa que pode ser devida: aos critérios de inclusão, ao grande nº de recusas em participar, ao estarem a ser seguidos por serviços de CP.
O componente físico foi identificado frequentemente para o sentido de sofrimento sendo a dor física a mais referida pelos doentes, (mas não nos estudos de correlação estatísticos)
Mais de metade dos doentes em sofrimento preenchiam critérios para S. depressivo e/ou ansiedade, não se podendo perceber se estes distúrbios eram causa ou consequência.
De salientar ainda que uma pergunta simples como a que foi feita permitiu colher muitos dados sobre o sofrimento como experiência multi-dimensional.
Madalena Feio
Médica
Unidade de Assistência Domiciliária do IPOLFG, E.P.E.
O Rev. Andrew Goodhead, Spiritual Care Lead no St. Christopher´s Hospice, pessoa de grandes qualidades científicas e humanas, meu competentíssimo formador, despertou em mim, mais uma vez, um grande interesse no conhecimento e desenvolvimento das competências em cuidados espirituais, como complemento à minha formação em Cuidados Paliativos, nomeadamente na leitura deste artigo, ao defender que este tipo de cuidados não estão reservados a ele ou outros profissionais da sua área, mas a uma equipa multidisciplinar a que dá a máxima importância ao papel do enfermeiro.
Elemento essencial na forma como lidamos com a dor total de um doente em fim de vida é reconhecer as necessidades espirituais de cada doente, contudo a definição de espiritualidade reveste-se de alguma dificuldade, pois como diz Solomon (2001) a espiritualidade está relacionada com o desconhecido e o indescritível. Mais complicado ainda se torna uma tentativa de definição se tendermos a ser completamente inclusivos, o que resultaria numa interpretação muito vaga e com pouco ou nenhum significado.
Não sendo do conhecimento científico, como a Medicina, a espiritualidade pertence ao mundo do transcendente, do desconhecido.
O Hospice Movement, com ênfase numa forma de aproximação holística foi fundamental para encorajar a medicina e enfermagem convencional a incluir a espiritualidade nos seus cuidados.
Os cuidados espirituais devem ser oferecidos por uma equipa multidisciplinar. No entanto, o autor, realça os enfermeiros, por entender que estarão melhor colocados para desenvolver este tipo de cuidados. Devido à natureza íntima da relação entre enfermeiros e doentes, o enfermeiro pode actuar como condutor de informação privada, sensível e complexa do doente e para o doente.
A relação terapêutica entre enfermeiro e doente é estabelecida e desenvolvida durante a prestação de cuidados de enfermagem. Forma-se um laço de confiança especial. Como resultado dessa aliança, os aspectos relacionados com a vida e a morte podem ser explorados de forma única.
Ao lidar com a morte e o morrer, os enfermeiros frequentemente encontram doentes e famílias que se debatem com a problemática existencial acerca do significado e propósito da vida.
Reconhecer essa luta interior é um elemento chave da enfermagem em Cuidados Paliativos. No entanto, a insegurança devido à falta de formação relativa aos métodos de abordagem da dimensão espiritual, pode destruir a relação e perder-se para sempre esse momento único e especial.
Algumas famílias, estão já conscientes da relação única que o enfermeiro estabelece com o doente, respondendo a questões, oferecendo segurança e conforto ou simplesmente ouvindo.
Essa relação não deve ser subestimada e necessita para o seu desenvolvimento de muitas horas de dedicação. Só o tempo permite a criação de uma relação de confiança e confidência.
Só o tempo permite que aflore a verdadeira história do doente.
Como defende Byrne (2002), citado neste artigo, todas as necessidades que levam ao cuidado têm uma forte componente espiritual, independentemente de serem básicas ou complexas. A forma como o cuidado é oferecido é tão importante como quem o dá.
O autor deste artigo descreve quais as competências necessárias para qualquer enfermeiro prestar os melhores cuidados espirituais possíveis. Em primeiro lugar e a mais importante será o próprio enfermeiro. O cuidado espiritual depende da qualidade do cuidado, da profundidade, da humanidade e liberdade da relação de ajuda de enfermagem. Realça aqui o aspecto fundamental da relação enfermeiro/ doente ? humanidade.
Refere que a comunicação é uma competência vital, de tal forma significativa que permita o início e continuidade da relação terapêutica.
Propõe a regularidade, como continuidade da relação, permitindo atingir aspectos profundos do indivíduo, quando o doente se sente confortável e seguro na relação com o enfermeiro.
Não havendo um momento ideal para abordar as questões do foro espiritual, ocorrerá quando o doente o escolher. Esse momento pode surgir durante a actividade mais trivial, na hora menos esperada, e a presença permanente do enfermeiro, coloca-o como o elemento melhor posicionado na equipa multidisciplinar para aceder às necessidades espirituais do doente.
Da leitura deste artigo retiro como elementos essenciais:
- Os cuidados espirituais devem ser multidisciplinares
- Os enfermeiros podem estar melhor posicionados para aceder às necessidades espirituais dos doentes
- A relação terapêutica entre enfermeiro/doente desenvolve-se nos laços de confiança estabelecidos e é a forma ideal de abordar a subjectividade das preocupações existenciais
- Preocupações existenciais e espiritualidade podem não estar directamente relacionadas com qualquer religião
- A comunicação, o tempo e a humanidade do enfermeiro são as ferramentas básicas necessárias para estabelecer uma relação terapêutica continuamente aprofundadas e desenvolvidas com formação específica no âmbito de uma equipa multidisciplinar.
Ângela Sofia Lopes Simões
Enfermeira Graduada no Serviço de Cirurgia Geral Mulheres do Hospital Amato Lusitano
Giovambattista Zeppetella, FRCP
J Pain Symptom Manage 2008;35: 563-567
A Dor Irruptiva (DI) é definida pelo autor como uma exacerbação transitória da dor crónica (relativamente estável e adequadamente controlada), que tanto pode ocorrer espontaneamente como em relação a um acontecimento esperado ou não.
Objetivo
Descrever as características da DI e comparar a avaliação do doente quanto ao tempo de alívio efetivo da diversa medicação de resgate opióide prescrita.
Metodologia
População: Cinquenta doentes consecutivamente internados com DI.
Critérios de inclusão: o uso, prévio ao internamento por DI, de formulações orais de morfina, oxicodona, hidromorfona, metadona e citrato de fentanil transmucoso; terem uma dor crónica relativamente bem controlada através do uso de medicação em calendário, entre outros.
Foi pedido aos doentes para caracterizarem a sua DI nas últimas 24h (quanto à localização, intensidade, relação temporal, relação com a dose de analgesia fixa, precipitantes, previsibilidade e fatores paliativos) e para avaliarem o intervalo de tempo de demora de eficácia da medicação prescrita, registando esse mesmo valor durante cinco episódios.
Resultados
Antes da admissão, os doentes usavam medicação de resgate em 66,7% das vezes, sem diferenças significativas entre si. Os motivos para não recorrerem à medicação de resgate incluíam: não efetividade, efeitos adversos, ansiedade relacionada com a sobredosagem, mudança de rotinas e a não informação sobre como a usar. Classificaram a sua efetividade usando uma escala numérica de 11 pontos (sendo 0=não alívio e 10=alívio completo). Não foram observadas diferenças entre os opióides orais. O citrato de fentanil transmucoso foi classificado como mais eficaz que a morfina, a oxicodona e a hidromorfona (para P <0.01) e que a metadona (P =0.045).
A duração média do episódio de DI foi de 35.2min, não havendo diferença de duração independentemente do opióide usado. O número médio de episódios individuais de DI foi de 4 sendo que 68% ocorreram repentinamente, 57% foram de severas a excruciantes e 59% foram imprevisíveis. 57% dos doentes obtêm melhor alívio da dor através do uso de analgésicos e 32% apenas se deitam imóveis. Em 61 episódios de dor, os dois fatores juntos foram usados.
O intervalo de tempo para um alívio significativo da dor foi, em média, de 31min, sendo que não foram encontradas diferenças entre a morfina, a oxicodona e a hidromorfona. A metadona teve um efeito mais rápido que a morfina, mas não mais rápido que a oxicodona ou a hidromorfona.
O citrato de fentanil transmucoso foi o mais rápido a actuar (P <0.001).
Discussão/Comentário
Os doentes nem sempre tomam medicação de resgate para os episódios de DI. Para um controlo efetivo da DI são necessárias avaliações abrangentes, boa comunicação, educação e reeducação do doente/família e o encorajamento para a participação do doente e dos cuidadores no plano de tratamento. A DI representa, desta forma, um desafio para os profissionais de saúde.
Neste estudo, o citrato de fentanil transmucoso provocou um alívio significativo da dor num período mais curto e foi classificado como mais eficiente que os opióides orais, mas não é comummente usado como medicação de primeira linha para a DI.
Rui Mariano
Enfermeiro
Pós-Graduado em Cuidados Paliativos
Medicina A, Hospital Amato Lusitano
Hudson P, Quinn K, O?Hanlon B, Aranda S. Family meetings in palliative care: multidisciplinary clinical practice guidelines. BMC Palliative Care 2008; 7:12.
Introdução
Os cuidados paliativos são prestados de forma holística e multidisciplinar ao doente e à sua família. As conferências familiares envolvendo o doente, a família e profissionais de saúde, são comummente recomendadas visando a partilha de informação e anseios, a clarificação dos objetivos dos cuidados, discussão do diagnóstico, tratamento e prognóstico e o desenvolvimento de um plano de cuidados para o doente e cuidadores.
Persistem, contudo, dúvidas quanto às vantagens destas conferências e quanto à melhor forma de as estruturar, conteúdos a abordar, participantes e elemento moderador.
Assim, o objetivo deste estudo foi o desenvolvimento de normas de orientação clínicas para a realização de conferências familiares no contexto de cuidados paliativos.
Metodologia
Foram utilizados três métodos para a elaboração das normas de orientação clínica: (1) pesquisa sistemática de artigos em bases de dados informáticas, incluindo estudos em contexto de cuidados paliativos, intensivos e geriátricos; (2) extrapolação de modelos utilizados noutros contextos; (3) opinião de grupos multidisciplinares de peritos.
Resultados
A evidência científica sobre a orientação e utilidade das conferências familiares em cuidados paliativos é escassa e extrapolada de outros contextos. Com base na pesquisa realizada, em modelos concetuais (terapia em sessão única, terapia comunicacional, modelos de coping e terapia familiar) e opinião de peritos foram estabelecidos como princípios orientadores das conferências familiares:
- As conferências familiares podem ser uma forma útil para clarificar os objetivos e opções dos cuidados e partilha de informação com o doente e sua família.
- Uma vez que o apoio dos cuidadores é um componente central dos cuidados paliativos, os prestadores de cuidados têm a responsabilidade de oferecer conferências familiares consoante a necessidade.
- Os prestadores de cuidados deverão encarar as conferências familiares como mutuamente benéficas, possibilitando-lhes uma oportunidade para explicação do que o serviço poderá ou não oferecer, estratificação de prioridades e referenciação para outros profissionais.
- As conferências familiares não deverão ser realizadas exclusivamente em situações "de crise", estimulando-se uma abordagem proativa e preventiva.
- Idealmente, as conferências familiares deverão ser oferecidas por rotina na admissão e conduzidas posteriormente numa altura pertinente.
- O moderador da conferência familiar deverá possuir aptidões apropriadas de trabalho em equipa, comunicação terapêutica e cuidados paliativos. Cabe à equipa multidisciplinar a escolha do moderador.
- Se há conhecimento de conflitos familiares significativos, poderá ser apropriado o envolvimento de um terapeuta familiar ou psicólogo.
- O planeamento da conferência e o posterior follow-up são essenciais.
- Deverão ser disponibilizados, ao doente e familiares, recursos apropriados para a complementação da informação verbal (brochuras sobre o serviço, manuais de apoio para o cuidador, informação sobre fármacos, etc).
Discussão / Conclusão
As conferências familiares são um método potencial de interação entre o doente, familiares e profissionais de saúde, que poderão otimizar a qualidade dos cuidados prestados.
Considerando a escassez de informação científica, as normas de orientação clínica elaboradas basearam-se maioritariamente em opinião de peritos. Assim sendo, será necessária uma avaliação posterior da sua aplicabilidade e eficácia em cuidados paliativos.
Dra. Paula Gomes
Centro de Saúde de Matosinhos
Walter Osswald
Brotéria 167 (2008) 453-462
O autor apresenta a questão da Eutanásia como uma questão que ressurge de tempos a tempos, no evoluir do pensamento humano, na diferenciação das culturas e de saberes, nas inquietações do existir humano. É uma questão persistente no debate bioético, e que se torna constante perante os avanços técnico-científicos no campo da biomedicina, ultrapassando-os – é uma questão para a qual ainda não foi encontrada uma resposta consensual ao nível da opinião pública.
São apontadas alguns factores que podem estar na origem deste emergir da questão da eutanásia, nomeadamente a “crescente adesão das mentalidades à noção de um predomínio do princípio da autonomia sobre outros princípios geralmente aceites como tendo validade prima facie tal como acontece com a beneficência e a não-maleficência. Da autonomia pessoal resulta o direito de recusar ajuda para se conseguir alcançar a desejada morte, seja por acção ou omissão”.
Por outro lado, existe a opinião oposta de muitos que, assumem e valorizam a vida como um dom, inviolável e singular. Como bem de mais alto valor jurídico, cabe ao Estado garantir e protegê-la (Constituição da Republica Portuguesa, Art. 24, n.º1). Outro fator que pode contribuir para a questão, segundo a opinião do autor é o facto de três países como, Holanda, Bélgica e Luxemburgo e um estado norte-americano (Óregão) terem produzido legislação que despenaliza, embora sob determinadas condições, a prática da eutanásia e/ou do suicídio assistido.
Walter Osswald começa por fazer uma abordagem à terminologia, isto é, o que queremos dizer quando nos referimos ao termo “Eutanásia”.
O conceito de eutanásia tem-se complicado nos últimos tempos com o surgimento de novas designações como: “ajuda à morte”, “morte assistida”, “morte por compaixão”, “boa morte”.
Estamos de acordo com a enorme confusão que se tem gerado à volta dos significados e contextos destes conceitos.
Na opinião do autor, o termo a usar é o de eutanásia: claro, universal consagrado pelo uso, “significando a morte voluntariamente provocada, por acção ou omissão, em resposta a um insistente e consciente pedido de uma pessoa”. Esta definição não considera fatores caracterizantes da pessoa que faz o pedido, tais como o seu estado de doença grave e/ou terminal ou a de se encontrar em situação de grande ou até intolerável sofrimento, embora sejam estes os argumentos mais frequentemente apontados pelos defensores da eutanásia.
Também se exclui desta conceção a presunção de um desejo ou vontade do paciente, isto é, a intervenção letal praticada para corresponder a um inexistente pedido, que porém se afigura provável ou com razoabilidade se aceita que teria sido formulado, se o paciente estivesse capaz de o fazer.
Referimo-nos a situações de coma, estado vegetativo persistente, estados demenciais avançados, situações esta em que os doentes não têm possibilidade de exprimir um desejo ou vontade.
Segundo a perspetiva do autor, o domínio da presunção lança-nos para um vasto campo de incerteza e erro em matéria tão delicada e de extrema importância.
O conceito referido e explanado acima exclui, naturalmente atitudes que não têm por objetivo por fim à vida. Assim, não é eutanásia a atitude de suspensão ou omissão de medidas que eventualmente possam prolongar a vida, quando esta se encontra já muito próxima do seu fim natural e tais medidas se possam considerar como desproporcionadas e/ou causadoras de desconforto ou sofrimento. Nestas condições, deixar morrer não significa matar e corresponde a boa prática médica.
Também não podemos chamar eutanásia quando a morte sobrevém por recurso a doses elevadas de analgésicos opiáceos ou de outra medicação depressiva do sistema nervoso central. Trata-se aqui, segundo o autor do princípio do duplo efeito, pelo que não há intencionalidade de causar dano, há sim boa prática médica de alívio o sofrimento.
Salientamos ainda aquelas situações em que os pacientes recusam obstinadamente uma terapia que poderia prolongar a sua vida ou até conduzir até à cura. O conflito aqui existente entre a autonomia da pessoa e o dever de prestar assistência do médico (principio de beneficência), deve ser dirimido pela via do diálogo e da negociação. Quando não ocorre consensos, deve prevalecer a vontade do doente, desde que devidamente esclarecida e livre.
Nesta questão da eutanásia estamos perante um conflito de princípios éticos. Por um lado o principio da autonomia do sujeito e por outro o principio da beneficência, que é fundante para qualquer profissional de saúde. Quem acompanha de perto doentes em sofrimento, sabemos que são raras as situações em que existe de facto um pedido consciente, reiterado e insistente de pôr termo à vida. Inúmeras vezes, estes pedidos são um apelo que não sofrer, que não quer ser um peso e um fardo para os seus, a não querer estar sozinho no momento da morte – se o doente insistir na questão, o dever do médico e de qualquer profissional de saúde envolvido na sua assistência será o de proporcionar cuidados adequados (cuidados paliativos, cada vez mais acessíveis, eficazes) de forma a minorar o sofrimento e a possibilitar a qualidade de vida real no seu tempo de viver.
Em suma, será que necessitamos mudar o enquadramento legal do nosso país? Somos de parecer que não. O que precisamos é de encher de significado a vida das pessoas em sofrimento e no fim de vida, fazendo-as sentir valorizadas simplesmente pelo facto de existirem e nos permitirem humanizarmo-nos e pessoalizarmo-nos.
Enquanto não existir cuidados de saúde adequados às necessidades especificas de cada pessoa; enquanto os cuidados paliativos forem pouco acessíveis e continuarem a estar pouco disponíveis à população em qualquer lugar, nível económico e idade, enquanto os cuidados paliativos existirem como o recurso possível “quando já não há mais nada a fazer” e não serem vistos como um direito de cidadania, o país não estará em condições de se pronunciar sobre esta matéria com clareza e livremente.
O grande desafio das estruturas do governo deverá ser, antes de tudo, proporcionar cuidados de saúde adequados e especializados ao melhor bem dos seus cidadãos apostando numa vida com dignidade até ao fim. Para isso, há que se desenvolver os cuidados paliativos e proporcionar igualdade de acesso a todos.
Será que esta onda à volta da eutanásia, não será um apelo ao desenvolvimento e consolidação dos CUIDADOS PALIATIVOS em Portugal, à compaixão pela pessoa em sofrimento e à qualidade de vida com dignidade até ao fim?
Paula Carneiro
Casa de Saúde da Idanha - Belas
Tema: Controlo de Sintomas
Dale O, Piribauer M, Kaasa S, Moksnes K, Knobel H, Klepstad P
J Pain Symptom Manage 2009; 37(1):68-76
Resumo
Nas recomendações da EAPC sobre o tratamento da dor moderada a severa figura o uso de uma dose dupla(DD) de morfina de libertação imediata ao deitar. 1
Num estudo anterior randomizado mas aberto esta opção teve piores resultados do que a administração cada 4h de dose única (DU). 2
Métodos
O presente estudo foi dividido em duas partes, uma primeira de avaliação clínica e uma segunda de avaliação farmacocinética ( morfina, M6G e M3G). A primeira parte foi randomizada, duplamente cega e cruzada, comparando a administração de DD ao deitar com duas administrações de DU de morfina de libertação imediata. Todos os doentes eram acordados de 4 em 4 horas e recebiam ou placebo ou a segunda administração de DU. O principal resultado a considerar foi a dor média nocturna (0-10). Como resultados secundários: a qualidade do sono, os efeitos secundários, as doses tomadas em SOS, a preferências dos doentes.
Os doentes pertenciam a um único hospital. Tinham como critérios de inclusão: maior de 18 anos e terem doença oncológica necessitando de morfina para controlo de dor. Como critérios de exclusão: intolerância à morfina, alteração de absorção oral, alteração cognitiva ou outra que impedisse a resposta ao questionário.
Resultados
Foram abordados 90 doentes, 24 excluídos, 44 recusaram. Três doentes não respeitaram o protocolo, donde foram avaliados 19 doentes. Para a segunda parte colaboraram 13 dos 19, mas só 10 completaram esta fase.
Na primeira fase as diferenças entre a dor média, a dor máxima e a qualidade do sono aproximaram-se da significância: dor média foi 0,8 na DD e 1,3 na DU com p=0,058; dor máxima p=0,069; qualidade do sono com p=0,077. Não houve diferenças quanto a dor mínima, dor matinal ou efeitos secundários. Nove doentes preferiram a DD, 6 a DU e 4 não tinham preferência por nenhum. Na fase farmacocinética, na primeira parte da noite a “área sob a curva” para a morfina e M6G foi superior.
Na discussão os autores apontam como limitações, a necessidade de se ter dividido o estudo em duas partes, a inclusão de cerca de 25% dos doentes abordados, a participação de apenas 10 na parte farmacocinética.
Os autores afirmam que o estudo confirma que a administração de DD ou DU de noite são equivalentes não havendo assim razão para abandonar a recomendação da EAPC e poder-se deixar ao critério do doente.
Muitas das nossas práticas diárias em Cuidados Paliativos têm apenas a validá-las o peso “opinião dos peritos”.
Este estudo vem dar base científica a uma prática comum, recomendada pela EAPC e anteriormente posta em causa por Todd e colaboradores. 2 Este, agora publicado, tem a seu favor o ser duplamente cego.
Madalena Feio
IPO de Lisboa
Tema: Apoio à Família
Autores: Rodriguez, E. et al (2008)
Revista: Medicina Paliativa, Vol. 15: Nº 3;137-142
Resumo
Este estudo avalia o grau da satisfação de famílias de doentes com doença terminal, seguidos pelo “Grupo de Apoio ao Doente Terminal” do Centro de Saúde de Las Palmas. Nesta equipa todos os profissionais tinham formação especializada. É um estudo descritivo e transversal no qual foi realizado um inquérito aos familiares, por entrevista pessoal ou telefónica. O inquérito era constituído por perguntas fechadas. Tinha como variáveis: identificação do cuidador, grau de parentesco com o doente, local de trabalho, existência de psicopatologia concomitante, assistência a grupos de apoio e/ou treino ao cuidador, dados socioeconómicos, dados sobre o conhecimento, por parte do doente, do diagnóstico e prognóstico, e a opinião geral do cuidador sobre o funcionamento da equipa, nomeadamente em relação à frequência das visitas, acessibilidade, preparação e alívio sintomático atingido pelo doente.
Dos 57 doentes e famílias acompanhadas em 20 meses obtiveram-se dados de 47, 7 cuidadores não localizados e 3 recusaram.
O cuidador principal era na sua maioria mulher, com idade média de 51 anos, casada, filha do doente, sem ocupação profissional e a residir no mesmo domicílio.
77% dos doentes faleceram em casa; 17,5% no hospital e 3.5% no Serviço de Urgência. A maior parte dos doentes faleceram no local desejado, o domicílio. 42 dos cuidadores concordavam com o doente quanto à preferência pelo local de falecimento.
Foi perguntado se o facto de ter prestado este tipo de cuidados sopesou uma carga económica, obtendo-se resposta afirmativa em 25%.
Dez dos cuidadores tiveram que receber apoio psicológico após a experiência de cuidar. Apenas 3 cuidadores tinham assistido à formação de grupo a eles dirigida.
22 doentes desconheciam o diagnóstico e 21 conheciam-no (4 doentes tinham demência).
As 47 famílias consideraram que a informação fornecida era “boa” ou “muito boa”. Em relação à informação dada ao doente, 12 famílias classificavam-na como “muito boa”, 28 como “boa” e 2 como “insuficiente”. 28 dos cuidadores referiam que a formação dos profissionais era “muito adequada” e 17 classificavam-na como “adequada”.
A acessibilidade à equipa foi valorizada como “muito adequada” em 33 famílias e “adequada” em 12. A frequência das visitas foi valorizada como “muito adequada” em 33 casos e “adequada” em 12. Em relação ao alívio dos sintomas, 16 consideram-no “muito adequado”, 23 “adequado” e 4 “insuficiente”. A opinião geral sobre a equipa foi “muito boa” em 34 e em 12 “boa“.
A conclusão deste estudo é que, segundo a opinião dos cuidadores, foi conseguido um adequado controlo de sintomas, factor que contribuiu para a permanência e falecimento do doente no domicílio.
Comentário
Talvez este estudo apresente uma maneira viável de medir os resultados da intervenção efectuada no doente e família por uma equipa de cuidados paliativos embora, e apontada como limitação, não tenhamos conhecimento do número de visitas, frequência semanal, duração do acompanhamento ou tipo de intervenções realizadas.
É um estudo amplo, avaliando não só a satisfação do cuidador principal, como aspectos sociais e económicos, que, se por um lado dão uma visão mais alargada, por outro poderão dispersar do objectivo inicial. No entanto, o artigo é claro, inovador e honesto no método, nas limitações encontradas e nos resultados.
Maria Del Carmen López Aparício
Enfermeira Responsável da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz
Pós-graduada em Cuidados Paliativos
Título: “An exploratory study of spiritual care at the end-of-life”
Autores: Timothy Daaleman; Barbara Usher; Sharon Williams; Jim Rawlings; Laura Hanson
Revista: Annals of Family Medicine, Vol6, N.º 5, Sep-Out 2008.
Resumo do Artigo
Os autores reconhecem o cuidado espiritual como um elemento fulcral dos cuidados paliativos, mas de difícil definição e sem consenso na clarificação da sua natureza ou na forma como é prestado aos doentes e famílias em final da vida.
A bibliografia aponta para várias interpretações do cuidado espiritual, em que cada vez mais, os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, e outros) são chamados a assumir uma maior responsabilidade nesses cuidados, tradicionalmente reservados à pastoral e ao clero.
Apesar de controversa, a prestação de cuidados espirituais por profissionais da saúde é reconhecida pelos doentes e famílias em fim-de-vida.
O artigo apresenta um estudo qualitativo sobre a atenção espiritual em fim-de-vida, com o objectivo de explorar o cuidado espiritual na perspectiva dos profissionais de saúde previamente identificados pelos doentes e famílias em fim-de-vida como prestadores desse tipo de cuidados.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas (cujo guião foi elaborado com base na bibliografia recente) a doze (12) profissionais de saúde previamente identificados como cuidadores espirituais pelos doentes e famílias. Destes 8 eram médicos, 2 capelães/assistentes espirituais, 1 enfermeira, 1 auxiliar de serviços.
Da análise qualitativa dos dados resultaram três temas principais que caracterizam a natureza do cuidado espiritual, e um modelo conceptual de assistência espiritual em fim-de-vida.
Dos temas destacam-se:
“Estar presente” – encontro partilhado, marcado pela intencionalidade de cuidar para além do tratamento médico, atendendo às necessidades emocionais, sociais e espirituais. A proximidade física é o elemento-chave que facilita a comunicação por parte do cuidador.
“Abrir de olhos” – processo pelo qual os cuidadores reconhecem e se inteiram da humanidade e individualidade da experiência de doença tal como é relatada pelos doentes, incorporando pontos de vista da família e amigos próximos. Permite aos cuidadores identificar recursos internos do doente tais como o sistema de crenças apoios sociais e comunitários.
“Co-criação” – actividade mútua entre doentes, família e cuidadores para criação de um plano de cuidados holístico focado na manutenção da humanidade e dignidade do doente perante a morte.
Comentário
A escolha deste artigo prendeu-se com a novidade do modelo de prestação de cuidados espirituais, inovador, constituindo o primeiro modelo conceptual com base em investigação científica.
Trata-se de um modelo mais abrangente, integrativo e orientado pelo processo do que o anteriormente apresentado por Sumalsky (2002).
A inovação também se prende em relação a quem deve ser o profissional prestador de cuidados espirituais. Ao contrário do que defende Puchalski (2006) sobre este aspecto, os autores afirmam que o modelo sugere que o cuidado espiritual pode ser efectivo e prestado em permuta por vários membros da equipa multidisciplinar.
O estudo conclui que mais investigação deve ser feita no âmbito da aplicação do modelo, pelo que a leitura do artigo pode incitar os profissionais de cuidados paliativos a realizar investigação sobre cuidados espirituais no panorama português.
Identificação do revisor
Ana Isabel Fernandes Querido
Professora Adjunta da Escola Superior de Saúde de Leiria
in Journal of Pain and Symptom Management 2010 June; 39: 951 ? 71
Questionário qeolc corrigidoMeasuring the quality of end of life care